Simples assim

foto de Caroline Stampone 

Encontrar outras perspectivas.
Olhe outra vez. Abra mais os olhos.
Dessa vez, feche os olhos um bocadinho.
Olhe com a pele.
Esqueça tudo que um dia já soube e deixe os pés olharem por ti. Só dessa vez.

Hoje vou perceber o mundo através dos fios de cabelo branco que brotam-me cabeça a fora.
Se a adolescente olhasse através da janela suja veria um dia cinza. Motivo de reclamação.
A dos cabelos brancos reflete sobre a relevância dos dias cinzas. O ar fresco e gelado que carregam consigo. Enxerga neles parte do equilíbrio de todo o resto. A dos cabelos brancos sabe que não se ganha nada a detestar os dias cinzas.
A dos cabelos brancos meteu-se num paradoxo. Tem certeza que arrastar certezas faz-nos pequenos e medíocres.

Por isso dança com suas certezas. Dia sim, dia também. No meio do caminho encontra verdades passageiras. Às vezes estopim de encantamento, entusiasmo, paixão. É verdade que há horas em que a frustração faz-se presente, mas, a dos cabelos branco não se importa. Já aprendeu que a frustração é parte da vida. Apenas mais uma das coisas que irão passar, cedo ou tarde.

Perguntaram ontem à dos cabelos brancos: _ Mas a tua vida tem graça, assim, sem sentir nada?

A dos cabelos brancos respondeu que sim. Que tem graça. Explicou ainda que ela sente muita coisa. A única diferença entre ela e a adolescente é que a dos cabelos brancos aprendeu a não levar demasiado a sério o que sente.  Assim não sofre demasiado, nem ama demasiado, nem odeia demasiado, nem esquece demasiado. Simplesmente sofre, ama, odeia, esquece. Enfim, vive sem deixar pegadas inapagáveis pelo caminho. E sem esperar pela hora de apagar de vez. Foi esse o jeito que encontrou para caber no agora. Simples assim.

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