começos de revolução

por Caroline Stampone
Em Stories & Coffees acabei cruzando com vários começos de revolução. Alguns inventados, outros vividos. Alguns apresentados com um certo orgulho. Outros ainda bem no comecinho, atravessados dum cheiro de saudade. Começos de revolução duma maioria ainda oprimida. 'Re-começos' de mulheres. Apesar da opressão, foram todos 're-começos' marcados por uma certa declaração de liberdade, com restos de um 'dar a volta por cima'. 
a minha revolução começou quando...
conheci-a naquele banheiro. Fico feliz que não precisei ir ao banheiro cinco minutos antes ou depois. Tê-la conhecido arrastou-me a um conhecimento de mim mesmo. Depois dela não precisei mais do Dr. Roberto nem de toda a educação que era esperada de uma dama. Depois dela desisti de moldar-me dama. Parei de carregar com elegância a maior dor do mundo. Simplesmente parei. As revoluções as vezes começam quando um outro serve como um espelho de nós mesmos.
a minha revolução começou quando...
um desconhecido finalmente disse-me 'sim'. Não estava a espera. Estrangeira, deslocada, toda a gente dizendo que os imigrantes tinham que voltar para as suas próprias casas. Eu estava quase acreditando. Na TV era tudo o que repetiam. A culpa da crise era dos imigrantes. Ficava me perguntando o que tinha feito para ser culpada. Daí, aquela senhora disse-me 'sim'. Ela disse: 'Fica, trabalha conosco. Faz dessa a sua casa também'. Naquele momento reaprendi a acreditar nessa humanidade. Viva e lá fora. Meti a Tv no lixo.
a minha revolução começou quando... 
papai contou-me que eu iria para o inferno se continuasse frequentando a igreja. É que não havia meios de transformar-me numa pessoa pior. As exigências e hipocrisias da igreja iam corromper-me até o talo. Sofrer calado. Aceitar tudo sem questionamento. A fé. Sempre a fé. E é lógico, as melhores roupas para mostrar a sua suposta dignidade na missa de domingo. Como se pudéssemos comprar dignidade no shopping center. 
a minha revolução começou quando... 
finalmente deixei-o ir. Aceitei que há encontros que acabam. Não adiantava insistir. O nosso encontro tinha chegado ao fim. Sempre fui melhor com começos. Descobri que também podia aguentar finais. Aguentei. Sangrei, despedacei, morri. Mas acredito que dia desses vou estar pronta para começar outra vez. 
a minha revolução começou quando... 
fui impedida de voltar pra casa. "Não te queremos mais. És inimiga da nação. Péssimo exemplo. O seu lugar é fora daqui. Se voltar vai direto para o túmulo". Tinha gasto tanto tempo na mesma luta que nunca tinha nem notado que havia outras lutas lá fora. Contra o regime, contra os costumes, fui sempre tão sozinha e também tão certa de que tinha as respostas todas. Fora de casa o mundo pareceu bem mais difícil de explicar e também bem mais interessante. Acreditar que se tem todas as respostas cansa de morte. 
a minha revolução começou quando... 
dei-me conta que estava puta de raiva em língua estrangeira. Percebi que já não era a mesma. Dei-me conta que tinha passado a ser habitada por um outro mundo. Uma outra língua, que agora falava em mim e me abria os poros, os ouvidos e o coração para ver além dos limites que tinham sido delineados na minha primeira casa. 
a minha revolução começou... 
quando aquele cientista chato e direto entrou na minha vida. Fazia questão de repetir questões invasivas. Insistia que eu tinha que olhar com mais objetividade. Falou da minha Grécia querida como o berço do drama. Primeiro irritou-me até o fundo dos ossos. Depois fez-me rir de mim mesma. E uma vez em que a gente aprende a não levar-se tão a sério ganha-se um mundo inteirinho. 
Pois bem, essas foram algumas das minhas invenções fundadas nas histórias que foram divididas em Stories & Coffees. Todas revoluções acertadas. Re-começos que ao fim e ao cabo foram bem-vindos, apesar de alguns deles terem doído no começo. No próximo post vou falar um bocadinho de revoluções perdidas. Ainda na onda da revolução egoego. 

Um abraço e inté, 

Carol 

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