Incidente em Antares e Getúlio Vargas Parte II



Em Incidente em Antares Érico Veríssimo consegue trazer a tona a complexidade da personagem histórica Getúlio Vargas. Ditador, sim, Getúlio Vargas foi um ditador e o autor não esconde isso. Repete a palavra inteira diversas vezes. Apesar disso, o autor não ignora o fato do Baixinho ter sido loucamente amado por muitos brasileiros, os quais consideravam-no o pai dos pobres. ('Pai dos pobres e mãe dos ricos'?.). 
Érico Veríssimo  não esconde nem a loucura do Baixinho pelo poder, nem tampouco os acertos que o ditador deixou escapulir pelo caminho. Mas, o mais importante, é que o autor não esquece o contexto em que essas escapulidas deram-se.
Desde as primeiras linhas Incidente em Antares é atravessada pela denúncia  certeira das muitas limitações e injustiças trazidas pelo paternalismo. Paternalismo arraigado no coronelismo, na política e em Getúlio.
Uma das grandiosidades do idioma de Érico Veríssimo é o fato deste não ser habitante do maniqueísmo. Suas personagens são complexas, escapam do simplismo de que na vida temos de um lado os bons e do outro os maus.
Aliás, em Incidente em Antares o autor critica o maniqueísmo mal enfiado na história dos vencedores. Construída não para educar, mas para manipular.

"Os livros escolares, cujo objetivo é ensinar-nos a história da nossa terra e do nosso povo, são em geral escritos num espírito maniqueísta, seguindo as clássicas antíteses_ os bons e os maus, os heróis e os covardes, os santos e os bandidos.
Via de regra, não se empregam nesses compêndios as cores intermediárias, pois os seus autores parecem desconhecer a virtude dos matizes e o truísmo de que a Historia não pode ser escrita apenas em preto e branco".

Érico Veríssimo não apresenta Getúlio em preto e branco. O Baixinho apresentado em Incidente em Antares é um ser humano inteligente e fascinado pelo poder. Um homem que soube explorar as fraquezas humanas para chegar e permanecer no poder. Um homem que na opinião de alguns até veio a ter alguns tortos impulsos de fazer justiça. Mas, ao fim e ao cabo o Baixinho jogou o jogo político o melhor que pode, para alcançar os seus objetivos pessoais: poder e mais poder. "Inté' o último instante. 
Getúlio foi sim o pai dos pobres. Entrou para a história como tal e está encrustado nela até hoje. Para muitos ainda é considerado o maior estadista que o Brasil já viu. Mas, há também quem enxergue o ditador, o político profissional disposto a jogar o velho jogo onde é preciso privilegiar os ricos e poderosos para manter-se no poder. 
É verdade que foi no governo de Getúlio que o salário mínimo teve um ajuste mais do que necessário de 100%. Ajuste que foi apresentado pelo aparelho de propaganda política do Estado como bondade do pai dos pobres, e não como direito dos trabalhadores.
O que Érico Veríssimo não esquece de denunciar é que a estrutura paternalista tão intrincada à política brasileira é inimiga da luta por justiça e igualdade social. Enquanto o povo acreditar que precisa de um paizinho, para cuidar-lhe e proteger-lhe, as coisas nunca mudarão de verdade.
Érico Veríssimo explora essa verdade de forma brilhante num diálogo entre Dráusia e o coronel Tibério Vacariano. Dráusia é uma mulata que limpa o escritório do prefeito. Quando Dráusia recebe a notícia de que Getúlio suicidou reage inconformada. "Não pode ser!". (...) "O corpo do Dr. Getúlio deve estar ainda quente. Eu dava tudo na vida para poder encostar a minha mão na testa dele." (...) "E agora que vai ser dos pobres?". A essa ultima pergunta o coronel Vacariano responde_ apenas para si mesmo, afinal, essa não é informação que deva dividir com os pobres:  "Os pobres vão continuar tão pobres como no tempo em que ele estava vivo".

Incidente em Antares de Érico Veríssimo está disponível para download e leitura em http://www.igtf.rs.gov.br/wp-content/uploads/2012/04/ERICO_incidente_em_antares.pdf
um abraço e inté a próxima

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