Bessie



"The blues is not about people knowing you, it is about you knowing people". 
Bessie (2015, um filme para a tv),  me ganhou quando a personagem Ma Rainey diz essa frase à personagem Bessie. A música, os sapatos, as luzes, o palco de shows só para negros, a pobreza, enfim, cada pedacinho daquele filme escuro, intenso e cheio de dor e de música fez sentido para mim naquele momento. Um lembrete, de que o artista só é capaz de alcançar os outros quando consegue lançar a sua voz além de si mesmo. Quando é capaz de cantar, escrever, dançar, teatrar, gritar, poetar, rasgar-se a partir e além de si mesmo. Sim, é preciso tentar saber quem as pessoas são, tentar saber o que elas querem, entendê-las. Tentar descobrir o que elas precisam. E acima de tudo, deixar claro que elas estão sendo notadas, enxergadas, consideradas, incluídas. Afinal. se elas não conseguirem de algum modo se enxergarem na arte em questão não irão bater palmas ou pagar para ver. 
Bessie, um filme baseado na vida da imensa cantora de blues Bessie Smith, não nos deixa esquecer que a arte é um produto, que ela quis vender para sobreviver, primeiro, para enriquecer no meio do caminho e por fim, para existir. 
Bessie desde muito cedo quis fazer da arte a sua vida. Ou será que foi a arte que a ocupou desde muito cedo? O que sabemos com certeza é que Bessie dançou e cantou para por comida no prato, bebida no copo, amor na cama. Bessie fez parte da companhia de Ma Rainey, com quem aprendeu muito. Inclusive a enxergar os outros. Fazer blues para os outros, também. 
Bessie fez blues lindamente. Fez-se uma estrela, mais tarde seria chamada de 'imperatriz do blues' e influenciaria outras cantoras incríveis como Billie Holiday e Janis Joplin. 

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O filme Bessie, dirigido por Dee Rees e protagonizado por Queen Latifa traz até nós a imperatriz do blues, mas, não a atira sobre nós pronta. Primeiro joga pedaços daquela que foi habitada pela imensa Bessie, a estrela do blues. A menina sem mãe e sem pai, mal cuidada por uma irmã mais velha, que trancava a geladeira a cadeado. A menina, outra vez, crescida, mas também não, sempre ao lado do irmão Clarence, o primeiro a acreditar nela enquanto artista. Aquele que esteve sempre ao seu lado. A aprendiz de Ma Rainey, primeiro sedenta para aprender e mais tarde pronta para explodir e para ocupar o mundo metida nos seus próprios sapatos. 
O filme explora lindamente símbolos. Os sapatos são um excelente exemplo do presente que pode ser um símbolo bem usado em uma história em movimento. Os sapatos são dados, exigidos de volta, são amados, odiados, guardados, devolvidos, com amor, risadas e gratidão. A cena de Bessie deixando o trem de Ma Rainey, descalço, porque ela está pronta para deixar a sua própria voz cantar o seu blues_com a força que é preciso para transformá-lo no blues de toda uma geração_ é poderosa. Assim como também o é  a cena do reencontro de Bessie e Ma Rainey, anos mais tarde. Um reencontro no qual os sapatos não faltam. 


O blues de Bessie Smith tocou e ainda toca as obsessões e os fantasmas de muita gente, porque de fato. Bessie atirou no mundo um blues que foi e vai ser para sempre dela, mas que é também de toda a gente que conhece a dor que é existir com fantasmas e dores. 
Bessie, o filme é a história de uma mulher negra, pobre, artista e bissexual. Como se a própria vida da personagem principal não bastasse para desenhar o drama do objeto, o contexto também ajuda. A carreira de Bessie vai ser atingida pela grande depressão estadunidense e pela perda de espaço do blues. Além disso, ela canta e luta quando a segregação racial é a ordem do dia. 
Não faltam elementos para fortalecer o drama. Depressão econômica e pessoal, família problemática, histórias de amor complicadas, altos e baixos na carreira e a segregação racial, sempre presente no mundo de Bessie.
Os dois mundos, o mundo dos brancos e o mundo dos negros, é abordado com um humor afiado e quase negro, na cena que Bessie, no auge da fama, atira-se à cantoria de uma música numa festa de brancos ricos. Ao contrário do que ela estava acostumada, a platéia improvisada, branca, não reage à muscia vibrante de Bessie. Tudo  o que ela encontra é uma reação muda, estupidamente educada e sem tesão na vida. 
Bessie é uma mulher que toma conta de si mesma, que luta, mas que em alguns momentos também espera por um homem para chamar de 'seu', um homem para tomar conta dela. Esse homem parece ter aparecido, por um tempo. Traz consigo violência e traições, que Bessie devolve. Afinal, ela é uma mulher que aguenta-se nas próprias pernas, com ou sem sapatos. Uma mulher, uma voz e seus fantasmas, que veio do nada, conquistou um mundo, perdeu quase tudo, mas, reencontrou-se, através da sua música. Por fim, ficou para a história. 


Bessie é  um filme escuro, vibrante, repleto de emoções e de atuações marcantes. Um filme crítico, cheio de 'mojo'. Enfim, um filme intenso que merece ser assitido. 



um abraço e inté a próxima. 

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