A morte do pai parte I: a death in the family, o bybanen e eu
A
morte do pai é o título do primeiro volume da novela autobiográfica
do autor norueguês Karl Ove Knausgaard, que será uma das atrações
principais da FLIP 2016.
Li
'A morte do pai' nas minhas idas e vindas do Bybanen em Bergen.
Bybanen é uma espécie de trenzinho da cidade. O bybanen aqui de
Bergen te carrega de Byparken até Lagunen, uma viagem que dura mais
ou menos meia hora. Eu meto-me no bybanen quase todos os dias, para
ir e voltar do trabalho. Como costumava fazer no metrô de São
Paulo, na volta do trabalho_ porque na ida não conseguia nem mover
os braços, de tão cheio que o 'trem' estava_ leio. Gastei as minhas
últimas viagens lendo a tradução para o inglês desse livro. O
título em inglês, 'A death in the family' (uma morte na família)
revela bem menos que o título em português.
Permito-me
divagar mais um pouco. Eu tenho uma certa obsessão pela família. As
minhas histórias são repletas de pai, mãe, avó, filho e até
cachorro. Achei que era uma coisa minha. Mas, quando cruzo com a
opção brasileira de tradução do título, fico pensando se não
é também uma coisa cultural. Fico pensando, se nós, nascidos e
criados na terra tupiniquim, não aprendemos cedo demais a evocar
sempre o pai e a mãe, a vó e o cachorro, vezes demais,
explicitamente. Mas, a perseguição dessa divagação ficará para
outra hora. Hoje, agora, deixo as minhas obsessões conversarem com o
primeiro volume da novela auto biográfica de Karl Ove Knausgaard.
Li
o livro em Bergen, a saber, uma das cidades em que o autor viveu, nos
seus anos de jovem estudante, aspirante a escritor. O livro viaja por
algumas memórias desses tempos, mas não muitas. O protagonista
dessa primeira história é o pai do autor, o morto, o fantasma que a
motiva e move o escritor que a faz existir.
Knausgaard
chegou a dizer que somente depois que seu pai morreu é que ele foi
realmente capaz de escrever. Como se a morte do pai tivesse
libertado-o ou então deixado um vazio, um espaço que ele preencheu
com a escrita. Especulações, ao fim e ao cabo. A verdade é que o
próprio autor, ao escolher ou ousar escrever uma colossal novela que
se alimenta de suas próprias memórias e da sua própria vida, acaba
virando ele próprio uma espécie de personagem. Não é a toa que na
edição do livro que li, a capa traz uma foto de rosto de
Knausgaard.
Li
a famosa história numa língua do meio, uma língua que nem é a que
o autor habita, o norueguês, nem a língua que me habita, o
português. Li, nessa língua do meio, enquanto estava no meio do
caminho, indo e vindo do trabalho.
um pedaço do tão mencionado bybanen |
"No
meio do caminho tinha uma pedra", como bem disse Drummond. Uma
pedra que eu mesma carreguei. Meti na bolsa e carreguei comigo. O
primeiro volume de 'A minha luta' foi isso: uma pedra que carreguei
comigo e que só tive coragem de investigar no meio do caminho.
Esse
livro, escrito numa linguagem fácil, não foi engolido de uma vez.
Foi metido para dentro aos pouquinhos. Fui rabiscando-o aqui e ali.
Tinha vezes que tinha que parar de ler, porque o bybanen tinha
chegado na parada na qual eu tinha que descer. Noutras vezes, tive
que parar de ler porque o livro tinha alcançado pedaços meus que eu
ainda não dava conta de ver.
Em
'A death in the family' o autor expõe-se com tanta honestidade que
acaba alcançando também os fantasmas do leitor. O autor lembra as
banalidades todas que constituem uma vida, com tanta intensidade e
inteireza, como se fosse proibido deixar qualquer pedacinho de fora.
Esse excesso dele, unido a uma forma de dizer as coisas que é viva,
bonita, provocadora e ainda assim com cheiro de vida real, acaba por
alcançar o leitor. Os estragos podem ser ainda mais catástroficos
quando a leitora em questão é também uma aspirante a escritora.
Uma das pulgas que não deixam o autor em paz, quando ele se atira à
'minha luta', quer dizer, a luta dele, é o confronto com a sua
própria mortalidade e a urgência de escrever um livro do caralho.
Na
próxima terça feira volto a prosear sobre o livro primeiro da Minha
luta de Karl Ove Knausgaard.
um
abraço e inté a próxima,
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