a maternidade e eu




a maternidade me engoliu
inteira
desapareci
por um tempo
aos poucos, sem aviso prévio, nem data marcada, vou voltando a existir
eu e outra
irremediavelmente juntas
quiçá há casos em que uma é absorvida pelo existir mãe apenas temporariamente
meu caso é o lugar comum de tantas que vivem o mesmo que eu
dar vida à alguém é literalmente sinônimo de doar um imenso pedaço da sua vida, da sua existência, àqueles que chegam ao  mundo completamente dependentes
é besteira fazer de conta que  não
mães padecem, e nem sempre no paraíso, 

não me entendam mal, a maternidade tem sim seus belos momentos,
e eu não voltaria atrás na minha decisão de embarcar nessa aventura que é aprender a ser mãe
mas já passa da hora de parar de romantizar essa experiência e assumir que a maternidade também custa muito
há noites em que meus filhos precisam do meu sono
dias em que sapateiam na cara da minha sonhada independência
horas em que usam cada milímetro da minha energia e depois me deixam exausta, sentindo-me simplesmente uma máquina de cumprir tarefas
também há momentos de pura alegria
em que vê-los sorrir, inventar palavras ou oferecer os bracinhos pedindo um abraço têm a capacidade de parar o mundo e todos os seus males
por uns instantes tudo o  que existe é aquela dança quentinha dentro de mim
que canta baixinho que não tem nada melhor na vida do que existir para amar essess pequeninos

é, a maternidade me engoliu, mastigou-me e agora começa a me botar pra fora de novo, sem pressa
aos pouquinhos volto a pertencer ao mundo
sempre acompanhada da outra
que agora e pra sempre é irremediavelmente parte de mim
a mãe é a outra que me ocupa e que carrego comigo para todos os lados
há tantos que enxergam somente a outra
há dias em que eu enxergo só a outra
mas a verdade é que ainda sou eu, e a mãe é apenas um pedaço meu

a maternidade me engoliu
me manteve dentro por um tempo longo demais
resisti, chutei, gritei, esperneei
por fim ela me vomitou em miúdos pedaços
gosmentos, mal cheirosos, ainda assim eu
gasto os dias nessa insistente missão de conectar os pedaços de um modo que faz sentido
tem dias em que esqueço  de perguntar 'sentido  pra quem?'
e acabo na companhia de uma subserviente infeliz que quer alegrar o mundo  sem saber o próprio nome
noutros, em que lembro que a pessoa própria precisa significar em si e pra si começo tendo  chances de florescer
as vezes as coisas dão errado e acaba por ser um dia de quases
mas noutros, eu danço sem música, e encho os pulmões de entusiasmo e gosto de ser eu
um eu que agora é também mãe

um abraço e inté a próxima

ps: vou tentar aparecer com frequência, mas não faço promessas, ainda
afinal, vida de mãe é sempre cheia de incertezas...


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