a esperança vai ser sempre verde
juntou
as mãos, fechou os olhos, deixou que os joelhos arrastassem-na até
aquela estátua antiga, rececentemente restaurada. o sol quente, o
meio do dia infernal, apesar de tudo, ela não se levantou, não
bebeu água, nem comeu. tinha prometido passar três dias ali,
ajoelhada, rezando, implorando para que a felicidade chegasse.
antes
do começo daquela experiência masoquista, ela não tinha parado
para pensar nas roupas molhadas com os restos que seu corpo foi
forçado a expelir. suja, exausta e cheirando mal ela teve certeza
que era a última das criaturas. apesar disso, acreditou na
existência Dele, aquele que tudo sabe e tudo pode. aquele que ama e
pune e recompensa.
ela
me confundia. tinha horas em que dizia que eu tinha que aceitá-lo
porque ele me amava. noutras horas insistia que se eu não tivesse a
inteligência de enxergá-lo eu ia pagar o preço, ia apodrecer no
inferno. tinha dias em que ela dizia que esperava que ele pudesse me
perdoar. todos os dias, quando eu saia de casa, ela mandava eu ir com
ele. antes de dormir, ela mandava eu dormir com ele.
noite
passada eu me enfezei. disse que se ela quisesse existir na companhia
dele, dia e noite, dormindo e acordada, que era problema dela. mas,
para mim, aquela esperança chocha, irresponsável e burra já não
servia.
ela
fez o sinal da cruz e pediu que ele me perdoasse, porque eu não
sabia o que eu dizia.
eu
gritei-lhe na cara que a esperança não era bonita. a
esperança é verde e vai ser sempre para sempre verde. ela não
amadurece.
ela
ainda tentou dizer que se ela não vingasse nessa vida, ia acabar
vingando na outra. depois mandou eu me acalmar e dormir com ele. eu
levantei-me, acendi a luz e fui embora. antes dei-me ao trabalho de
deixar-lhe um poema, para terminar de desenhar aquela verdade que ela
não quis escutar.
a
esperança é verde, e vai ser ser para sempre verde
ela
não amadurece não, mulher
a
esperança não é a coisa boa que muita gente pensa que ela é
se
a gente 'espera' é porque não pode fazer agora, comer agora, ter
prazer agora, dançar agora, viver agora
a
esperança e o além mundo
são
só desculpas para te fazer passar fome calada
fome
de corpo e de alma
cê
gasta a vida cheia de esperança e existe vazia, encolhida,
desempoderada, enquanto uma minoria se alimenta dos milhares que nem
ocê e domina o mundo
a
gente deve esperar pela morte e só
e
esperar ocupado
gastanto
as horas e enchendo os dias, ocupando o mundo, com luta e dança e
vida, não com reza e sofrimento e cabeça baixa.
Meu discurso costuma ser "perca tudo, menos ela, a esperança". Discurso pros outros que tento ouvir de mim. Mas, nesse momento atual da minja vida, fui muito mais eu lendo suas palavras que me ouvindo dizer as minhas. Porque eu falo de esperança, mas me contradigo ao falar do agora. E, bem, no fim das contas é o agora que mais importa. Que bom te ler, viu? Gosto muito! :)
ReplyDeleteescuto-me também no seu discurso j. artur. ao fim e ao cabo, a esperança é um trem complexo, que tem no mínimo duas faces. há aquela esperança, que acho que é a que habita o seu discurso, que é bem querer pelo por vir, abertura para acolher, para hospedar a vida e o mundo, que ainda há de chegar ou crescer, ou virar outra coisa... mas, há também aquela outra esperança, que nos aleija e imobiliza. temo que a gente ande a alimentar demasiado a esperança que serve de desculpa para não ter que fazer agora, não ter que pensar agora, não ter que ser responsável pela nossa própria vida, nem agora, nem nunca. por isso é que acabei vomitando esse conto, que insiste em dizer não ao velho 'quem espera sempre alcança'. um abraço e obrigada por visitar essa minha caótica casa de histórias. Seja bem vindo!
ReplyDelete