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Showing posts from September, 2014

O começo e os fins

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por Caroline Stampone De um lado do mundo chove, do outro não. As coisas sempre são assim. Precisam começar em algum lado. Também têm que terminar? Nem sempre terminam onde começam. E as vezes não terminam... ou será que é a gente que não vê o fim? Hoje o mundo foi a casa. Pela janela da sala já era possível ver a chuva. Da janela da cozinha o cenário era cinza, sem nenhuma gota. Cedo ou tarde ia chover no mundo inteiro. Cedo demais eu fiquei, sozinha, metida dentro da casa. Já era tarde quando senti falta dos outros. Abri a boca mas já não sabia a língua deles Abri os braços, mas já não sabia caber em abraço algum repeti o fechar-me no quarto gastei-me com peninha de mim engordei o vazio que carregava ressenti e quis que chovesse do outro lado do mundo choveu dentro de mim temporal que deu voltas no meu besuntado e pesado eu lembrei  que começo a gente só tem um depois? depois é só um monte de pequenas mortes cada encontro, cada desencontro, cada amor, cada

once (apenas uma vez)

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Once (Apenas uma vez) é um filme musical irlandês de 2006. Quando penso em musical acabo indo parar na imagem dum excesso. Excesso de dramatização, que acaba por esbarrar em artificialidade. Ou então excesso de felicidade. Nem um nem outro excesso passeia por Once (Apenas uma vez), filme dirigido e escrito por John Carney. Apenas uma vez é um filme bonito e realista. Um encontro entre dois amantes da música. Ele, artista de rua, pouco convicto de si e da sua arte. Vive com um pé na rua e um pé na casa do pai. Trabalha na loja do pai concertando aspiradores de pó durante o dia. Toca durante a noite, quase sempre musicas conhecidas, porque é o que os outros gostam de ouvir. É o que ele diz. Ela é uma das ouvintes. Um dia ela para para dar-lhe 10 centavos, um pequeno agradecimento pela musica, que daquela vez, uma das raras vezes, era uma composição dele mesmo. Ele não sabe ser grato. Não sabe imaginar as circunstâncias dela. Só vê a quase insignificância dos 10 centav

no escuro do mundo

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por Caroline Stampone no escuro do mundo sei palavra nenhuma no começo do mundo tudo o que posso é um grito no escuro do mundo a tua voz me aconchega as cores não existem a amizade sim no escuro do mundo o sono é necessidade a verdade coisa inventada o amanhã desconhecido no escuro do mundo não há nada mais valioso do que um abraço coisa ainda sem nome gesto que já sabe expandir e até  parar o tempo no escuro do mundo o canto das sereias tem espaço o medo ainda não nasceu a fé não tem precisão de ser inventada e sabemos chamar a vida pelo nome certo um nome impossível impronunciável que dança dentro de nós antes do esquecimento. um abraço e inté a próxima

a coragem e o medo

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por Caroline Stampone Havia dois balanços. Ela conseguia ir bem alto. Eu só sabia ficar parado. Tinha medo de deixar que as minhas pernas fossem, sem mim, para longe. Não é que eu não tivesse vontade. Tinha. Só que o medo era maior e faminto. Batia na minha vontade e a engolia em grandes bocados, sem nem ter a decência de mastigá-la. Sobrava eu e a indigestão. Ela balançava-se bem alto, ficava cada vez mais longe de mim, e eu sobrava a roçar os pés no chão. Um dia, que era para ser como todos os outros, ela no balanço dela e eu no meu. Ela a chacoalhar as pernas e a rir bem alto. Eu com a indigestão que o medo me tinha deixado. Nesse dia, apareceu um estranho. Ele olhou para mim. Encarou-me mesmo. Eu abaixei a cabeça. Quis fazer de conta que ele não estava ali. Ele não ligou para os meus quereres. Ficou ali na minha frente. Por fim vomitou-me encima: _ Coragem! Coragem? E o que é que aquilo significava? Ter coragem é não desistir? _ Não necessariamente. Respondeu-me o d

ninguém vive uma vida inteira e sai ileso

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por Caroline Stampone _ Está tudo quebrado de um jeito que não dá para consertar.  E por que essa insistência em consertar?  Por que não assumir as rachaduras? Por que não encarar que agora o jeito é existir assim. _ assim? em pedaços, você quer dizer.  Sim, são pedaços. Está posto. É visível. São, sim, pedaços.  A questão é:  pedaços de que?  pedaços que querem ir aonde?  pedaços que gostam do que?  pedaços que não gostam do que? _ são muitas questões.  Também são muitos pedaços. E se cada pedaço se ocupar de uma questão? Dessa vez não houve resposta. Acho que ela estava ocupada a tentar entender o alcance daquela queda, daquela quebra, daquele despedaçar.  Sim. Tinha acontecido. O que um dia tinha sido nosso e era bonito e lustroso, os outros até invejavam, agora tinha quebrado. Nós também tínhamos quebrado um pouco com aquela queda. Por fim, ela disse: _ Rachado. Despedaçado. Quebrado. Sim, Mas, também reconfigurado. Desconstruíd

O começo das águas

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por Caroline Stampone As águas começaram verde claro. Quando dei por mim estava cercado por um azul escuro lamacento e sujo. Não sabia voltar. Achava que voltar era preciso. Já acreditaram em cada coisa. Navegar foi preciso. E não viver. Foi o que disseram e até deixaram escrito. E quanta gente de verdade não acabou grudado a essa certeza. Combater o terrorismo é preciso. Uma das verdades atuais. Voltar para a sua própria casa é preciso. Outra das verdades atuais. Bandido bom é bandido morto, uma verdade que já anda até um pouco capenga, de tão velha, mas que continua grudada a boca de tanta gente. E onde é que essas verdades começam? Por que é que tanta gente as repete? O que é mesmo isso de terrorismo? Quem é o terrorista? O jovem ativista que luta por um mundo onde os mares deixem de ser poluídos por multinacionais que só pensam no lucro é de fato um terrorista? Um ativista político lutando contra uma ditadura é um terrorista? E será que o terrorismo não existe em mais

conselhos dum sábio

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por Caroline Stampone Cruzei com um sábio dia desses. Não foi por querer. Acidente mesmo. Ou graça da vida. Sei não.  A primeira vista não percebi que tratava-se de um sábio de sapiência verdadeira. Pensei que fosse só imitação.  De qualquer modo aproximei-me e ia apertar o clique para fazer uma foto da estátua, quando escuto: _ Está com cara de quem anda a procura de respostas.  _ oi, hein, é comigo?  A estátua disse que sim. Quer dizer, o sábio.  Perguntei:  _ Olha, desculpe, mas não era suposto o senhor ficar calado? Ele respondeu que não fazia sentido. Não fazia sentido pedir desculpas logo que eu abria a boca. Quis saber onde eu tinha aprendido aquilo. Quis que eu lembrasse. Disse que não tinha precisão. Havia coisas mais importantes para fazer.  O sábio garantiu-me que eu andava agarrada as precisões erradas. Não havia nada mais urgente do que desfazer um mau hábito como aquele. Passar a vida inteira desculpando-se custava caro demais.  Tentei dizer '

a verdade da idade passada

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por Caroline Stampone a verdade da idade passada já não me serve, ficou pequena demais, aperta o dedinho e não me deixa respirar a verdade da idade passada não sabe nada de constância, existiu assim assado, um pouco bipolar deve ser por isso que deixou-me essas lombrigas a passearem-me pelo bucho, pela pele e pelas narinas a verdade da idade passada é tinhosa, fez questão de deixar-me um presente que eu não pedi: uma marca certo que é miudinha, quase ninguém pode ver, mas o caso é que já virou parte de mim. não é fácil carregar pela vida algo que já não lhe serve mais _ mas quem foi que disse que a vida é fácil? a verdade da idade passada é respondona e cheia de manias deve ser por causo das circunstâncias de seu nascimento foi parida em tempos de bonança, excesso de sol, excesso de tempo excesso de horas em que esteve sempre tudo bem a idade passada foi bonita e fora do tempo era para eu saber que as verdades dela não iam saber andar no mundo