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Showing posts from January, 2015

NÃO

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por Caroline Stampone NÃO. A sua primeira palavra foi não. Um não sabido, sentido, inteiro. Ainda era daquele tamainho dos que supostamente não sabem nada da vida e já era possuidor daquele NÃO. Herança.  Um bem que carregou pela vida inteira. Se bem que houve vezes em que foi o Não o responsável pelo carregar. Nos momentos em que ele tinha minguado, perdido as forças, esquecido os caminhos, foi o não que soube salvá-lo. Um NÃo que sabia mais dele do que ele próprio. Um Não que não existia para negar a vida, muito pelo contrário. Um Não que moveu-o na direção da vida que ele quis, mereceu e lutou por. Uma vida em que seu valor, seu espaço, seus direitos, seu salário não foram determinados pela cor da sua pele ou de seus olhos.  Um Não que multiplicou-se e renasceu quantas vezes foi preciso. _ o menino entende que a classe A não é lugar para meninos da sua cor, apesar do seu intelecto desencontrar-se da sua cor... Não. Entendia não. _ o rapaz entende que apesar das q

os invisíveis

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por Caroline Stampone São tantos os invisíveis que rodeiam a tua vida. Aqueles que não têm nome. Aqueles que não têm importância. Aqueles que carregam o teu lixo, limpam as ruas, que no fundo você acha que são só tuas e dos teus aqueles que te abrem as portas aqueles que fabricam as tuas roupas, os teus brinquedos, o teu computador aqueles que passam fome e morrem em guerras muito distantes do teu umbigo aquelas que são estrupadas e esquecidas num continente muito distante do teu aqueles que são assassinados na periferia, bem próxima da tua casa mas, que por causa da cor da pele e das circunstâncias pertencem a um outro mundo Aqueles que não têm educação aqueles que não têm berço aqueles que não têm privilégios aquelas que pegam três ônibus e depois andam meia hora, para chegar na tua casa emmuralhada, cuidar dos teus filhos, limpar a tua casa, cozinhar a tua comida, lavar até as tuas calçolas e te chamar de senhora aqueles que se amontoam na rua para exigir direito

Quando uma história acaba

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por Caroline Stampone Escrever uma história. Decidir como ela começa e como acaba. Saber quando a história acaba... Não é fácil acabar uma história. E não refiro-me apenas a escolher um final e registrá-lo. Refiro-me a sensação de história acabada. Ponto final e definitivo. Cada vez que voltamos os olhos sobre o que ficou escrito parece que tem mais alguma coisinha que precisa ser dita, ou então descobrimos que há palavras sobrando, ou que há um jeito melhor de dizer tal coisa. É que também nós oscilamos. Quem escreveu uma história ano passado não é a mesma pessoa que a lê agora. Uma história que nasceu sob influência da esquizofrenia social de que fala Deleuze, não aparecerá a mesma para quem lê obcecado por contos populares africanos ou pela história da arte européia. Uma história que foi vomitada no começo de uma paixão não será a mesma meses depois, num dia morno e sem sal. As oscilações, obsessões e verdades momentâneas do leitor falam com o que está escrito. Tam

o menino que decidiu parar de falar

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'amizade' por Caroline Stampone _As crianças sabem cicatrizar mais rápido. Daqui a pouco ele esquece. _ foi a mentira que a vó disse à mãe, para tentar acalmá-la.  Ia fazer três anos que eu tinha parado de falar. A última coisa que pronunciei foi um grito, doído. Antes eu tinha implorado.  _ Mãe, por favor me ajuda. Diz para eles pararem com isso. Eu prometo que eu vou ser um bom menino. Vou obedecer tudinho a partir de agora, só não deixa eles continuarem, por favor. É a última coisa que eu te peço.  A mãe não disse nada. Só deixou os braços caírem do lado do corpo, aquele gesto tão dela, para repetir, mais uma vez, que não havia nada que ela pudesse fazer.  A mãe acabou por existir numa dessas vidas impotentes. Até que a vó, a mãe dela, tinha tentado despertar na mãe um tiquinho de rebeldia. "Uma mulher, para existir nesse mundo de homens, tem que ser versada em rebeldia, minha menina". Mas a mãe, depois do casamento acabou esquecendo as lições da vó

Boyhood: da Infância a Juventude

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O que esse filme tem de tão especial?  Na era do fast food, multi tarefas, internet super rápida, i-phone, smart phone e o diabo a quatro para transformar a nossa vida numa vida super veloz, numa época em que estamos todos correndo e em que tudo tem que ser instantâneo, num tempo em que não temos mais paciência para esperar 5 minutos pelo trem, num tempo sem paciência para os outros e para nós mesmos, enfim, num tempo em que estamos sempre a reclamar de que não há tempo, de que estamos sem tempo, levar 12 anos para gravar um filme é em si só um feito.  É isso mesmo. Você não entendeu errado. BoyHood foi gravado em 12 anos. Por que? Para ver um menino crescer.  A espera. O olhar desapressado. A paciência. Ter tempo para ver o tempo passar. É isso que faz de BoyHood um filme que merece ser visto. Garanto a você que é uma experiência única assistir a vida passar na frente dos nossos olhos, a vida de um menino de carne e osso, ator sim, mas, antes disso, só um menino. Um menino