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Showing posts from October, 2013

Quis dizer: quando era uma criança

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por Caroline Stampone Na primeira parte de Quis dizer uma criança tenta falar. Um menino, que tem que deixar de ser criança cedo demais, tenta explicar quem é e como tudo começou. Não é uma missão fácil. Afinal, trata-se do filho da terrorista. Um menino que teve a vida, desde o mais derradeiro início, atravessada por uma ditadura. Quando essa história começa a ser contada ainda há muito que o próprio narrador desconhece, e mais ainda, há muito que ele quer dizer, mas não sabe como ou simplesmente não é capaz de abrir a boca. Por enquanto.  quando era uma criança é o título do primeiro capítulo de Quis dizer . É aqui _ no começo dessa ficção que imita um livro de memórias_ que o narrador inicia uma trajetória doída. É preciso lembrar as circunstâncias. Falar da mãe que foi engolida pela terrorista. Perguntar pelo pai.  Toda a narração é marcada por uma forma de falar fincada na beira da infância.  O que sente-se principalmente nesse primeiro capítulo. Afinal, aqui o narrado

O pau de arara sobreviveu

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por Caroline Stampone  "Memória sem presente e futuro é nostalgia... ou narcisismo" A verdade estampada no documentário '1964 Um golpe contra o Brasil', dirigido por Alípio Freire, chacoalhou o meu mundo essa manhã.  Pois sim, é verdade. É preciso revisitar o passado com os pés no presente, com os olhos abertos, e com cada pedacinho de nós comprometido com a justiça do por vir.  Por isso hoje é dia de falar das injustiças desse segundo. Injustiças ocorridas em periferias do mundo inteiro. Jovens assassinados e desaparecidos é uma verdade de agora. Triste verdade, que ainda não fomos capazes de reescrever.  Como bem coloca Alípio Freire, quando abre a boca para falar de si e dos companheiros de luta:  "Nós sobrevivemos ao pau de arara.  Mas o pau de arara também sobreviveu".  O pau de arara sobrevive quando fechamos os olhos à violência policial. O pau de arara sobrevive quando ignoramos o coronelismo que ainda domina tantas cidades brasi

Nos bastidores de Quis dizer. O caderno de capa azul.

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Uma vez cruzei com uma pessoa impossível, que, por coragem e 'rexistência' insistiu em fazer-se editora. Convidou-me para atravessar o rio e visitar a margem esquerda. Fez-me um montão de perguntas e repetiu incontáveis vezes que um escritor escreve, escreve, escreve... A primeira vez que cruzei com a moça das impossibilidades foi no cenário perfeito: numa casa de impossibilidades, mais especificamente, numa das sobreviventes repúblicas conimbricenses. E como não poderia deixar de ser nessa noite a anfitriã foi a poesia. Leu-se, opinou-se, apreciou-se o silêncio que mora entre as palavras. Num determinado momento foram lidas duas poesias de amor. A das impossibilidades exigiu que todos se pronunciassem. De qual poesia gostas mais? E desde então foi sempre assim. Perguntas e mais perguntas. Do que gosta? Do que não gosta? O que queres? Por que escreveu assim e não assado? Porque não escreves sobre isso? É que gente de impossibilidades é assim. Não tem tempo a perder. Abre a

Nos bastidores de Quis dizer. O começo.

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A novela  Quis dizer  escapuliu-me em dezembro de 2010.  Aproximava-se o aniversário de um bom amigo. Amigo esse que é poeta, apesar de ter tentado fugir dessa verdade.  Quis dizer  foi antes de tudo uma provocação para esse amigo. Um grito. Um pedido para que ele escrevesse, pois é para isso que existe, na minha modesta opinião.  por Caroline Stampone  A obsessão que moveu  Quis dizer  foi a ditadura. Velha conhecida minha. Dessas conhecidas de ouvir dizer, de conviver com os restos.  Em 2010  Quis dizer  escapuliu-me em menos de uma semana. Vomitei imagens no caderno de escrita de capa azul (sobre o qual falarei em outro post). Não lembro se usei caneta azul ou preta. Depois digitei tudo no computador. Fiz uma capa com radiografias e dei de presente para o meu amigo. Na dedicatória confessei que aquela era uma merdinha ainda fresca.  É que naquele momento Quis dizer  não era bem uma história. Não passava de um regurgitar só meu. Era quase incapaz de encontr

Documentário 15 Filhos, uma inspiração

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O documentário 15 Filhos é cru, urgente e atual. Produzido em 1996 e dirigido por Maria Oliveira e Marta Nehring, 15 Filhos não nos deixa esquecer os estragos inapagáveis causados pela ditadura militar brasileira. Durante esse longo período sem justiça, não apenas os guerrilheiros e guerrilheiras foram torturados, presos, assassinados e desaparecidos. Seus próximos e próximas também foram fatalmente atingidos. Nesse documentário 15 seres humanos cujas vidas foram atravessadas pela ditadura militar brasileira comunicam o impossível. Comunicam o peso da injustiça, a cor da dor e o cheiro de pessoas quebradas. Desde muito cedo. by Caroline Stampone Falam dos tempos em que foram crianças (ou quase isso). A dor de nascer clandestino. A dor de crescer clandestino. Dividem momentos que ainda têm um rastro de infância, um resto do modo de falar e de ver o mundo de uma criança. Criança que foi obrigada a deixar de sê-lo, cedo demais. Criança que não entendia porque os pais não po

Quis dizer: a mãe 'sem juízo'

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Quis dizer é ficção. Ficção que fala de verdades. Verdades doídas. Verdades absurdas. Verdades para as quais muitas vezes preferimos fechar os olhos e os ouvidos. Verdades ocorridas num Brasil de outrora. Verdades que ainda atravessam outras terras, algumas distantes, outras ao alcance de poucos passos. Verdades que fundam-se na repetição de velhos abusos e na pregação de perigosas certezas. A repetição dos velhos lugares comuns. Coisas como: 'há quem veio ao mundo para obedecer. E quem saiba comandar'. É que soa menos manipulador 'comandar' ao invés de mandar. A verdade é que aprendemos desde pequenos que 'manda quem pode e obedece quem tem juízo'. E quem não tem juízo? Quem não tem juízo pagará por isso. No melhor dos casos será isolado do rebanho. Haverá também quem terá que pagar com a própria vida. Para outros o preço será a sanidade . Há quem perderá o direito de ser gente. E há quem será transformado em restos. Qual a punição menos doída? Não

Simples assim

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foto de Caroline Stampone  Encontrar outras perspectivas. Olhe outra vez. Abra mais os olhos. Dessa vez, feche os olhos um bocadinho. Olhe com a pele. Esqueça tudo que um dia já soube e deixe os pés olharem por ti. Só dessa vez. Hoje vou perceber o mundo através dos fios de cabelo branco que brotam-me cabeça a fora. Se a adolescente olhasse através da janela suja veria um dia cinza. Motivo de reclamação. A dos cabelos brancos reflete sobre a relevância dos dias cinzas. O ar fresco e gelado que carregam consigo. Enxerga neles parte do equilíbrio de todo o resto. A dos cabelos brancos sabe que não se ganha nada a detestar os dias cinzas. A dos cabelos brancos meteu-se num paradoxo. Tem certeza que arrastar certezas faz-nos pequenos e medíocres. Por isso dança com suas certezas. Dia sim, dia também. No meio do caminho encontra verdades passageiras. Às vezes estopim de encantamento, entusiasmo, paixão. É verdade que há horas em que a frustração faz-se presente, mas, a dos c

Quis dizer: novela em andamento

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Quis dizer é uma novela ainda em andamento. Fruto das obsessões dessa que aqui vos fala.  Há quem acredite que uma história começa a existir quando transforma-se na obsessão de um narrador. Se for esse o caso Quis dizer nasceu em 2003. Nessa altura, estava estudando mais a fundo as atrocidades cometidas pelos ditadores brasileiros. Assisti e li a diversos documentários de ex presos políticos. Gente de carne e osso que tinha sido torturada e massacrada. Gente que tinha assistido aos seus companheiros serem assassinados e desaparecidos. Gente que pensava sobre si mesmo como heróis e heroínas, mas que acabou tendo suas fotografias estampadas em folhetos baratos, abaixo da chamada: "Terrorista procurado". Lembro que um dos depoimentos que mais me marcou foi o da filha de um revolucionário que foi preso e torturado pela ditadura. Quando pergutaram-lhe se ela pensava que o pai tinha sido um herói ela disse que não. Que para ela a mãe tinha sido uma heroína. A mãe tinha