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Showing posts from February, 2014

Hannah Arendt: a banalidade do mal e os perigos de obedecer sem pensar

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Hannah Arendt (2012) um filme de Margarette von Trotta Democracias de mentirinha e ditaduras bem reais ainda atravessam o mundo. Lá fora ainda há milhares de policiais preparados para atirar primeiro e perguntar depois. Milhares de burocratas que fazem seu trabalho mecanicamente, esquecidos que atrás da papelada há vidas de verdade. Vidas que serão afetadas pelo o que carimbam ou deixam de carimbar. Vivemos tempos dum bombardeio de (des)informação tremendo. Manipulação. A propaganda. A velha propaganda, hoje presente em todos os lados. Vivemos tempos em que milhares de pessoas, ao invés de refletir e pensar por si mesmas, limitam-se a seguir o rebanho. Um rebanho que não tem consciência que o é. O rebanho repete o que diz a repórter sensacionalista, achando simplesmente que alguém conseguiu finalmente expressar o que eram suas próprias ideias. Idéias próprias? Tem certeza? Como é que elas foram lá parar? Ah, assistindo o mesmo jornal, todas as noites, entre um novela e outra

antes do começo acabar

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por Caroline Stampone  No começo ela cantava liberdade. O tempo todo. Acordava e adormecia liberdade.  No começo ela ria bem alto das minhas piadas e da minha falta de jeito.  No começo ela parecia sempre a mulher mais linda do mundo, mesmo quando acordava de ressaca.  No começo era um deleite ouvir ela falando. nas horas todas a voz dela tinha lugar. ela sempre tinha tanta coisa interessante pra dizer. tantas perguntas, provocações, certezas passageiras, 'mentiras sinceras', causos, teorias, poesia e quem ela queria ser.  Sobramos eu e quem ela pôde ser.  Enfiada na casa ela já não sabe cantar liberdade.  Enfiada na casa criou um vício de silêncio. faz cara feia quando eu ligo a vitrola. trocamos meia dúzia de palavras durante um mês inteirinho. tem vezes que nem isso.  No começo gostava tanto do eu mesmo dentro dos olhos dela. um outro eu.  Sabe quando alguém te olha daquele jeito?  Aquele jeito que te deixa maior...  não, não é bem isso.  Aqu

quando o mundo apaga

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por Caroline Stampone  Quando o mundo apaga não é hora de enlouquecer no escuro da vida o espetáculo falta quando o mundo apaga o sujeito fica só sem o juízo do outro sem os holofotes sem as vitrines só sabedores de solidão não enlouquecem quando o mundo apaga caber em si mesmo é necessidade primária quando o mundo apaga gritar por socorro é inutilidade completa quando o mundo apaga cometer silêncio ou saber falar a língua dos fantasmas pode parecer salvação...

cansados um do outro e esquecidos do começo

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por Caroline Stampone Não era velha, ainda. Mas já fazia tempo que não era jovem.  Não tinha certeza como o tempo havia escorregado-lhe pelas mãos. Por todos os cantos só cheirava solidão. Comia solidão. No café da manhã, no almoço e no jantar. O cardápio sempre incluia solidão.  A trilha sonora da vida deles? Qualquer ficção. Não importava qual. Era só a garantia de que não iam ter que trocar palavra. A televisão ia falar por eles. Sempre. Até o fim.  Os amigos dela sempre perguntavam por ele. Os pais dela já falavam dele como parte da família. Toda a gente agia como se a vida dela já não fizesse sentido sem ele. Como se a vida dela sem ele fosse coisa sem função. Como uma perna arrancada do corpo, a apodrecer.  Até mesmo os desconhecidos insistiam nos elogios à carreira dele, como se aquilo fosse algo de que ela devesse orgulhar-se. Como se ela tivesse a obrigação de carregar um orgulho agregado.  Ela tinha começado a encurvar. Devia ser a obrigação de carregar tanta

minhas obsessões conversam com dois filmes

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Um palpite sobre filmes. O primeiro desse blog.  Palpitar sobre filmes é um novo exercício de escrita para mim.  Li um bocadinho sobre isso. Os especialistas no assunto dizem que é preciso julgar a qualidade da fotografia, a relevância do argumento, a qualidade das interpretações. É importante dizer se o filme é atemporal ou se mora numa determinada época, etc e tal. Não vou fazer nada disso.  Vou simplesmente dividir como esses dois filmes encontraram-se com as minhas obsessões.  Uma curiosidade é que já tinha tentado assistir a um desses filmes há uns anos. Não consegui. Daquela vez era "Before Sunrise". Vi apenas os primeiros minutos. Até o momento em que ela muda de lugar e senta perto dele no trem. Tive a impressão que ia assistir mais uma dessas histórias água com açúcar, como já tinha visto milhares. Desliguei o computador e fui fazer outra coisa.  Faz uns dias cruzei com esses filmes outra vez. Dessa vez numa dessas caixinhas em que já veem juntos.  C

revoluções perdidas?

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por Caroline Stampone  Há isso de revoluções perdidas? Uma revolução egoego é sobre perder ou ganhar? As revoluções nascem por alguma coisa ou contra algo ou alguém? Dia desses cruzei com palavras do saudoso Millôr Fernandes, que caíram-me encima mais como provocação bem vinda do que como matéria de desacordo. E isso não é porque tenho medo de discordar dos mortos.  Dizia Millôr Fernandes:  "Fiz três revoluções, todas perdidas. A primeira contra Deus, e ele me venceu como um sórdido milagre. A segunda contra o destino, e ele me bateu, deixando-me só com o meu pior enredo. A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi e vim parar aqui" (em Autobiografia de mim mesmo à maneira de mim próprio). Fiquei caraminholando ideias. O que significa isso de revolucionar contra?  Revolucionar contra pode ser simplesmente girar no sentido contrário. Começar a andar para o outro lado. Deixar algo ou alguém para trás. Desrespeitar as regras. Partir. Deixar a casa para tr

começos de revolução

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por Caroline Stampone Em Stories & Coffees acabei cruzando com vários começos de revolução. Alguns inventados, outros vividos. Alguns apresentados com um certo orgulho. Outros ainda bem no comecinho, atravessados dum cheiro de saudade. Começos de revolução duma maioria ainda oprimida. 'Re-começos' de mulheres. Apesar da opressão, foram todos 're-começos' marcados por uma certa declaração de liberdade, com restos de um 'dar a volta por cima'.  a minha revolução começou quando... conheci-a naquele banheiro. Fico feliz que não precisei ir ao banheiro cinco minutos antes ou depois. Tê-la conhecido arrastou-me a um conhecimento de mim mesmo. Depois dela não precisei mais do Dr. Roberto nem de toda a educação que era esperada de uma dama. Depois dela desisti de moldar-me dama. Parei de carregar com elegância a maior dor do mundo. Simplesmente parei. As revoluções as vezes começam quando um outro serve como um espelho de nós mesmos. a minha revolução com

a minha revolução começou quando...

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por Caroline Stampone A decisão de ocupar-me de um livro de contos que tem como mote 'a minha revolução começou quando' nasceu assim sem muita explicação. Claro se eu agarrar-me a lupa da auto-análise vou encontrar explicações. O que estou tentando dizer é que não foi assim uma dessas decisões pensadas. Não foi o lance de: 'ok, hora de escrever um livro novo. Sobre o que vou escrever?'. Andava as voltas da edição de Quis dizer , como vocês já sabem, uma ficção que fala de verdades doídas. Uma ficção fundada em ditaduras reais, em injustiças que ainda hoje habitam o mundo. Atravessada por urgências sociais e políticas.  Então, andava as voltas da edição de Quis dizer pela centésima vez, pois para mim o mais difícil é polir um texto. Então, estava limpando, enxugando e espremendo Quis dizer quando aconteceu em mim a necessidade de explorar um outro sentido de revolução. Quis dizer fala de revolução. Já agora só para dividir uma informação. Quer dizer, é mais

Natal é para ficar triste

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por Caroline Stampone  Uma família onde o Natal sempre esteve morto. Desde o dia em que nasci o Natal esteve morto. Não questionei. Era assim que era. A mãe disse que o Natal era época de tristeza profunda e nós aceitamos. Sem questionamento. Era assim que era. Sempre. A mãe nunca questionada. O Natal sempre morto. Daí os anos passaram e comecei a ir para a escola. Lá toda a gente falava do Natal. Antes e depois. Como dever de casa a professora mandou a gente escrever uma redação que tivesse como tema: 'e assim foi o meu Natal...' Escrevi nada. Disse nada. Daí um dos meus coleguinhas perguntou: _ Como foi o seu Natal? Respondi que não tinha sido. Natal inexistente.  O meu coleguinha quis saber por que. _ É que vovô morreu. Frente a morte toda a gente fica calada. A professora nem mesmo fez reprimenda por eu não ter feito a lição. Daí, no ano seguinte aconteceu tudo outra vez. Antes do Natal falar do Natal era obrigação. Os sonhos, as expectativas. Depois

Stories & Coffees: sem direito a Natal

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Natal impossível. Em Stories e Coffees também falamos sobre natais que não puderam ser. Natais que faltaram. Ausência de Papai Noel ou jantar de família. Sem menino Jesus para celebrar. Não necessariamente grande coisa, né? Eu acho. Dependendo de como o Natal é celebrado é melhor que ele falte mesmo. Ou que seja refigurado. Em tempos de excesso de consumismo uma espécie de abstinência de Natal não faria mal a ninguém. Quer dizer, se pudesse ser decisão própria. Nas histórias divididas o Natal faltou por imposição de outrem. Na ex União Soviética Natal era festa proibida. Por diversas razões. Muita gente junta e em clima de festa podia dar em revolta. Era melhor prevenir. Além disso, toda a adoração e fé deve ser direcionada ao Partido. Que história é essa de celebrar menino Jesus... Concorrência para o Partido? Assim não dá. Comunismo e religião nunca andaram de mãos dadas. E por mais que muita gente tenha esquecido: o Natal é uma festa religiosa. Ou ao menos era. Sinto

Stories & Coffees: o começo

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por Caroline Stampone Ontem participei de um encontro entre mulheres de diferentes lugares e contextos. Estávamos todas ali porque uma de nós teve a ideia de criar um evento chamado "Stories & Coffees". Muitas de nós não sabia bem ao que tinha ido. Provavelmente quase toda a gente sentiu que fazia sentido ouvir histórias e talvez dividir alguns pedaços de vida também.  Ficou muito claro que as histórias aproximam. Criam pontes entre pessoas.  O grupo era bem diversificado. Havia amantes de artes plásticas, cientistas, enfermeiras, gente ligada ao trabalho social. Gente falando de divórcio enquanto outras preferiram falar de refugiados. Falamos de tanta coisa.  Tudo começou com uma breve história da idealizadora do evento. Uma história sobre Natal fundada na infância. No passado. Uma história com cheiro de luta. Atravessada por urgências daquele tempo, daquele lugar. Urgências que ainda hoje fazem sentido para a interlocutora.  No Natal da menina que dirigia-s

desabafo de começo

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por Caroline Stampone  Comecei a escrever a minha primeira novela em língua estrangeira. Seja lá o que isso for.  Uma língua na qual não fui enfiada desde o nascimento. Uma língua da qual fui me aproximar mais tarde. Nem sei bem se porque quis ou se porque as circunstâncias me obrigaram.  Uma língua com a qual já tive tantas ressalvas.  Uma línga que já chamei de feia.  Uma língua que já considerei a inimiga.  Uma língua que alguns ainda dizem que quer dominar o mundo.  Enfim, uma segunda língua para mim. Quase uma terceira.  Escrever numa língua que não é a que nos habita é uma experiência bastante complexa. Não necessariamente complicada. Há um certo desconforto. No começo. Só posso falar do começo. É que ainda estou começando. Mas também há um distanciamento capaz de criar um 'a vontade'.  No meu começo, por exemplo. Faz anos que ando as voltas dum romance com chão de terra batida onde ouve-se sussurros que cantam pedaços de vidas de gente que eu conhe