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Showing posts from January, 2016

Bessie

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"The blues is not about people knowing you, it is about you knowing people".  Bessie (2015, um filme para a tv),  me ganhou quando a personagem Ma Rainey diz essa frase à personagem Bessie. A música, os sapatos, as luzes, o palco de shows só para negros, a pobreza, enfim, cada pedacinho daquele filme escuro, intenso e cheio de dor e de música fez sentido para mim naquele momento. Um lembrete, de que o artista só é capaz de alcançar os outros quando consegue lançar a sua voz além de si mesmo. Quando é capaz de cantar, escrever, dançar, teatrar, gritar, poetar, rasgar-se a partir e além de si mesmo. Sim, é preciso tentar saber quem as pessoas são, tentar saber o que elas querem, entendê-las. Tentar descobrir o que elas precisam. E acima de tudo, deixar claro que elas estão sendo notadas, enxergadas, consideradas, incluídas. Afinal. se elas não conseguirem de algum modo se enxergarem na arte em questão não irão bater palmas ou pagar para ver.  Bessie, um filme baseado n

quando a mulher luta, ela luta duas vezes

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desenho de Carol Stampone O livro 'A mulher habitada' de Gioconda Belli, não nos deixa esquecer que quando a mulher luta, ela luta duas vezes. Luta contra um opressor que é fácil chamar de inimigo, a saber, o ditador, o colonizador, o invasor, mas, luta também contra um opressor que muitas vezes é invisível e habita entre os seus próximos e os seus ossos. 'A mulher habitada' tem duas protagonistas. Lavínia e Itzá. Duas guerreiras. Duas mulheres que lutaram contra opressores. Duas mulheres que amaram revolucionários, lutaram ao lado deles. Insistem que não lutaram por eles, mas por elas mesmas. No meio do caminho acabam por deixar escapar que lutaram também por eles. Duas mulheres que lembram-nos que uma mulher, quando luta, luta duas vezes. Itzá, a índia que lutou contra os espanhóis invasores ao lado de seu amor, Yarince, para defender a sua terra, a sua cultura, a sua alma, o seu amor, lembra que ela era vista como despreparada e até como um empecilho pelos o

uma história de cansaço agudo

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foto de Carol Stampone Já era hora do sol ter dado as caras. Mas ele resolveu não marcar presença. Já era tempo de eu aprender honestidade e ter, finalmente, aquela conversa séria. O alarme insistia em me arrancar da cama. Eu já tinha parado. Desativado. Desinstalado. Nada do que eu fizesse era capaz de parar aquela maquininha irritante, que repetia que era hora de eu sair da cama. Atirei o alarme contra a parede. Mesmo quebrado, em incontáveis pedaços, ele continuou apitando. Deixei a cama quente enfim. Vesti-me, preparei um café preto e saí de casa sem lavar a cara. O sol continuava ausente. As ruas vazias. Era aquela hora em que toda a gente dormia, menos eu. Mas, não era para ser. Olhei para o lixo. Disse-lhe bom dia. Ele não respondeu. Não estranhei. Todas as manhãs dizia bom dia ao vizinho. Também ele nunca respondia. Caminhei até o escritório onde trabalho. As luzes estavam todas apagadas. As máquinas estavam em festa. Acho que o meu computador estava até um p

as asas do poema incompleto ou da vida

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é hora de tirar a mala do canto arrastá-la permitir que me arraste é preciso chegar a outro lugar o problema é que não posso ir leve tenho que me carregar comigo uma viagem inteirinha a vomitar... desconhecidos metem-se em cafés a procura de seus pedaços eu, escondo-me atrás das portas para roubar bocados de suas histórias queria tecer uma vida para meter em um palco ambulante, desses que nos sonhos de tolos tem asas asas coloridas e egoístas que só vão aonde querem performáticas por vocação escolhidas da tragédia namoradeiras da comédia temidas pelos mortais e amadas pelos loucos 

uma vidinha 'melhor' do que as outras

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arte de rua, Paris, dezembro de 2014. foto de Carol Stampone Era para ser só mais um fim de tarde igual a todos os outros. Mas, daí, sem aviso prévio, desculpas ou licenças ela explodiu.  Todas as tardes, assim que chegava do trabalho, ele sentava-se na sua poltrona, aquela bem no meio da sala, proibida para todos os outros. A Preciosa. Ele chamava a poltrona de Preciosa. Chegava em casa, dizia 'finalmente em casa, meu amor, agora eu sou todo seu, Preciosa'. Arrancava os sapatos e gritava: 'mulher, traz a janta e uma gelada'. Durante anos a mulher tinha obedecido calada. Sabia que ele só sabia dar carinho para a Preciosa. Aceitava. Ao fim e ao cabo ele não era um homem ruim. Pagava as contas, não deixava faltar comida na mesa. Ele tinha o direito de oferecer-lhe indiferença. Não tinha? O que era a indiferença se comparada aos ossos quebrados e a cara roxa da vizinha? A mulher ia aguentando a própria vida graças à comparação. Se fosse adepta do facebook, onde a

Trumbo

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Tenho uma coisa por biografias. Primeiro pensei que elas me atraíam por serem mais peladas do que os outros gêneros. Depois percebi que não necessarimente. É verdade. As biografias de forma geral pretendem ser peladas, sem maquiagem, máscaras ou amigos inventados. Mas, ao fim e ao cabo, também uma biografia, como toda e qualquer história, acaba por ser uma versão.   As biografias parecem despidas do ficticío, do inventado, mas, não o são. Na biografia mistura-se sempre o ser humano que existiu com aquele que foi sonhado pelo próprio sujeito e por outros.  As biografias quase sempre contam uma versão das vidas de mulheres e  homens que nos habituamos a chamar de 'grandes'. Seres humanos que fizeram mais do que o ordinário, que não se limitaram a cumprir os papéis sociais que lhe eram devidos. As biografias quase sempre contam versões de vidas de sonhadores, desconformados, doidos, visionários, enfim, traz até nós seres humanos excepcionais. Trumbo (2015) dirigido por Ja