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Showing posts from 2014

um começo do eu e da escrita

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Começos são sempre coisas inventadas. Invento um começo meu. O começo do eu e da escrita. Um começo que esbarra na minha descoberta do poder. Foi quando tomei consciência de que escrevia, que aprendi o significado do poder e do estatus. Era uma vez uma menina de dez anos que cabia perfeitamente no estereótipo da aluna a ser zoada_ ou segundo o vocabulário atual_ tratava-se de uma vítima ideal de bullyng. Essa era eu. Óculos, aparelho nos dentes, mais alta do que todos os outros, andar desengonçado. Sempre que falava cuspia, porque o aparelho móvel insistia em não caber na boca. Enfim, material inesgotável para a crueldade das crianças. Tudo sugeria que era isso o que aconteceria. Episódios incontáveis de bullyng até a hora de crescer e fingir-se livre. No entanto, deu-se  caso de acontecer o improvável. Tudo começou  com a decisão de uma das professoras. Ela decidiu que sexta feira seria o dia das redações. Nós, os alunos, deveríamos escrever em casa e gastaríamos as ho

o desaparecimento do meu menino

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por Caroline Stampone O que eu não entendo é porque ele foi se meter com essa porcaria. Depois que começou a usar essas pedrinhas ele foi deixando de ser ele mesmo, aos pouquinhos foi desaparecendo com o meu menino. Quando me perguntam o porque, eu não sei muito bem o que dizer. Nas notícias dizem que é culpa da família. "Famílias desestruturadas e ausentes" é o que eles dizem. Eu não acho que seja o nosso caso. A gente nunca teve muito, mas a gente sempre deu atenção para o nosso menino. Aqui em casa ele era o único a ganhar uma muda de roupa nova todos os anos. A gente se desdobrava em mil para comprar os livros novos e até dava um trocadinho para ele, uma vez por mês, para ele poder dar uma voltinha no domingo com os amigos. Ele dizia que o dinheiro era para comer um lanche, tomar um refrigerante. Acho que em algum momento virou dinheiro para comprar as pedrinhas do demo. Eu desconfiei que tinha algo errado quando ele parou de me olhar nos olhos. Tive certeza qu

Quis dizer: cela para visitantes

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por Caroline Stampone  Quando puxa pela memória o menino depara com muitas coisas que queria esquecer. As visitas ao presídio. A cela para visitantes. De um lado a terrorista, do outro, os próximos. Ambos deveriam ser punidos. A vó foi punida. Ele também. De diferentes modos. Do outro lado da cela era difícil enxergar a mãe. É que ela já tinha sido engolida pela terrorista. Quase completamente. "Para visitar aquela outra eu estava dentro de uma cela. Não era uma sala para visitas. Uma cela para visitantes, cortada ao meio. De um lado a presa perigo máximo, do outro, os próximos, perigo máximo também. Eu não demorei para entender que eu era um próximo perigo máximo. O que eu não sabia responder era de quem eu era próximo. Sentia-me tão absurdamente sozinho que não pude deixar de perguntar quem era aquela mulher do outro lado da cela. Eu não a conhecia. Conhecia?  (...)  Olhei para ela. Faltavam os dentes. A ausência de metade do peso do corpo dela. Os cabelos tinham sid

o valor da gente?

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por Caroline Stampone Eu não sou ninguém, seu moço, não tenho dinheiro no banco não tenho sobrenome comprido não tenho diploma pendurado na parede não tenho lugar na sociedade nem no clube da cidade que já pertenceu aos quatrocentões e agora é coisa de novo rico não pude pagar por uma consulta particular no médico muito menos por  uma escola particular para o meu filho Acreditei durante muito tempo que dinheiro não é o que define uma pessoa só um amontoado de papel que compra coisas, certo? Acabei por descobrir que não não nesse sistema não nessa cidade dinheiro compra direitos até mesmo o direito de sobreviver Despossuída carreguei-o nos braços esperei horas na fila do pronto socorro por fim, um médico apressado e de nariz empinado apareceu mal olhou para a gente foi logo dizendo que não era nada grave o que na verdade significava que não tínhamos dinheiro suficiente para comprar o direito de receber tratamento ali eu ainda tentei insistir disse que a feb

Goodbye on a sunny day

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by Caroline Stampone She: _ It is dark in here. He: _ It is midday. The sun is shining... She: _ I am not talking about what we can see. Here is not my place. He: _ I like sunny days. After a good beer and you, of course, the sunny days are my favorite thing. I really like the beach as well. She: _ I miss home, the smell of the earth after the rain. He: _ Do you remember when we met? It was a sunny day as well. You were so beautiful. The most beautiful thing that I ever saw. She: _ I miss the smell of fresh fish in the oven... He: _ Sometimes I miss your smile. When we met you used to smile all the time. She: _ I miss the stars, my stars. In the other side of the world, in my piece of the world the stars are different, you know? He: _ But even when you cry there is beauty in your face and in your hands. I love your hands so much. She: _ I miss my language, that I know that it is not mine. I am hers. I can feel at home in my language. There are so many  things

ela sabia dançar com a vida

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Outro dia me perguntaram como é que tudo tinha começado entre nós. Eu percebi que era uma provocação. Outra dessas passiva agressivas. Nesse caso passiva agressiva religiosa. Dessas que começam devagarzinho e esperam o momento oportuno para repetir o velho: _ Posso ver que você é uma boa menina. Venha comigo e vou salvar a tua alma. Ao contrário das outras vezes daquela vez não esperneei. Não mandei  que a senhorinha fosse cuidar da própria vida nem repeti o rosário inteiro da libertação sexual ou dos direitos dos homossexuais. Simplesmente contei a nossa história. O nosso começo foi assim. Ela não perguntou-me o nome, nem a idade, nem de onde vinha. Não quis falar sobre o tempo e muito menos sobre diplomas esquecidos em gavetas. Não fez cerimônias e nem discurso egocêntrico. Soube dançar com o tempo. Logo no início deu-me um sorriso, nem muito grande, nem muito pequeno. Acho que foi a medida certa do sorriso dela que me fez ficar. Depois é que reparei nos sapatos sujos de

verdades de casa de banho

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_ Há verdades que só podem ser ditas na casa de banho. Era isso mesmo que ela costumava repetir, antes de perder o prumo. Com o tempo passamos a chamar aquilo de 'crise'. E as crises grudaram-se as nossas vidas dia sim e dia também.  Eu nunca levei aquele anúncio a sério. A verdade é que nunca tinha escutado-o de fato.  Era só mais uma das coisas que ela dizia quando não era ela mesma.  _ Há verdades que só podem ser ditas na casa de banho.  por Caroline Stampone Antes de partir ela disse a sua verdade. Deixou-a estampada numa casa de banho caótica e imunda. Escreveu em letras miúdas, no canto esquerdo da parede.  Não reivindicou uma casa de banho só sua. Quis um lugar público. Ou talvez tenha sido só por questão de hábito social. As pessoas escrevem em casas de banho de bares, escolas, bibliotecas, repúblicas, mas quase ninguém escreve nas paredes da casa de banho da sua casa própria.  Acho que esse hábito social tem a ver com um certo anonimato que é intri

cor da pele

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Vê aquele tiquinho de raiva bem acima do nariz? A desconfiança é porque aprendi cedo que não basta ser inteligente, tenho que ser inteligente e mais um pouco, como se o mais um pouco desculpasse a cor da pele O menino da rua de cima só me chamava de 'escurinha'. A 'escurinha' não pode jogar queimada na rua. A 'escurinha' das ancas grandes e do cabelo ruim. Quando cresceu tentou graças comigo. É que eu tinha virado a 'escurinha' que servia para brincadeira de moço. A escurinha... Tive uma amiga branca quando era criança. Fui a casa dela uma vez.  Só uma vez e foi o fim da nossa amizade. É que ela tinha dito para a mãe que eu era 'morena escura'. A mãe dela quando me viu quase que caiu para trás. Mandou que eu voltasse para o meu mundo e explicou a filha, na minha frente, que ela não podia se misturar a gente da minha laia. Demorei para entender que gente como a mãe da minha amiga preferia dizer gente da minha laia, da minha

O começo e os fins

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por Caroline Stampone De um lado do mundo chove, do outro não. As coisas sempre são assim. Precisam começar em algum lado. Também têm que terminar? Nem sempre terminam onde começam. E as vezes não terminam... ou será que é a gente que não vê o fim? Hoje o mundo foi a casa. Pela janela da sala já era possível ver a chuva. Da janela da cozinha o cenário era cinza, sem nenhuma gota. Cedo ou tarde ia chover no mundo inteiro. Cedo demais eu fiquei, sozinha, metida dentro da casa. Já era tarde quando senti falta dos outros. Abri a boca mas já não sabia a língua deles Abri os braços, mas já não sabia caber em abraço algum repeti o fechar-me no quarto gastei-me com peninha de mim engordei o vazio que carregava ressenti e quis que chovesse do outro lado do mundo choveu dentro de mim temporal que deu voltas no meu besuntado e pesado eu lembrei  que começo a gente só tem um depois? depois é só um monte de pequenas mortes cada encontro, cada desencontro, cada amor, cada

once (apenas uma vez)

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Once (Apenas uma vez) é um filme musical irlandês de 2006. Quando penso em musical acabo indo parar na imagem dum excesso. Excesso de dramatização, que acaba por esbarrar em artificialidade. Ou então excesso de felicidade. Nem um nem outro excesso passeia por Once (Apenas uma vez), filme dirigido e escrito por John Carney. Apenas uma vez é um filme bonito e realista. Um encontro entre dois amantes da música. Ele, artista de rua, pouco convicto de si e da sua arte. Vive com um pé na rua e um pé na casa do pai. Trabalha na loja do pai concertando aspiradores de pó durante o dia. Toca durante a noite, quase sempre musicas conhecidas, porque é o que os outros gostam de ouvir. É o que ele diz. Ela é uma das ouvintes. Um dia ela para para dar-lhe 10 centavos, um pequeno agradecimento pela musica, que daquela vez, uma das raras vezes, era uma composição dele mesmo. Ele não sabe ser grato. Não sabe imaginar as circunstâncias dela. Só vê a quase insignificância dos 10 centav

no escuro do mundo

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por Caroline Stampone no escuro do mundo sei palavra nenhuma no começo do mundo tudo o que posso é um grito no escuro do mundo a tua voz me aconchega as cores não existem a amizade sim no escuro do mundo o sono é necessidade a verdade coisa inventada o amanhã desconhecido no escuro do mundo não há nada mais valioso do que um abraço coisa ainda sem nome gesto que já sabe expandir e até  parar o tempo no escuro do mundo o canto das sereias tem espaço o medo ainda não nasceu a fé não tem precisão de ser inventada e sabemos chamar a vida pelo nome certo um nome impossível impronunciável que dança dentro de nós antes do esquecimento. um abraço e inté a próxima

a coragem e o medo

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por Caroline Stampone Havia dois balanços. Ela conseguia ir bem alto. Eu só sabia ficar parado. Tinha medo de deixar que as minhas pernas fossem, sem mim, para longe. Não é que eu não tivesse vontade. Tinha. Só que o medo era maior e faminto. Batia na minha vontade e a engolia em grandes bocados, sem nem ter a decência de mastigá-la. Sobrava eu e a indigestão. Ela balançava-se bem alto, ficava cada vez mais longe de mim, e eu sobrava a roçar os pés no chão. Um dia, que era para ser como todos os outros, ela no balanço dela e eu no meu. Ela a chacoalhar as pernas e a rir bem alto. Eu com a indigestão que o medo me tinha deixado. Nesse dia, apareceu um estranho. Ele olhou para mim. Encarou-me mesmo. Eu abaixei a cabeça. Quis fazer de conta que ele não estava ali. Ele não ligou para os meus quereres. Ficou ali na minha frente. Por fim vomitou-me encima: _ Coragem! Coragem? E o que é que aquilo significava? Ter coragem é não desistir? _ Não necessariamente. Respondeu-me o d

ninguém vive uma vida inteira e sai ileso

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por Caroline Stampone _ Está tudo quebrado de um jeito que não dá para consertar.  E por que essa insistência em consertar?  Por que não assumir as rachaduras? Por que não encarar que agora o jeito é existir assim. _ assim? em pedaços, você quer dizer.  Sim, são pedaços. Está posto. É visível. São, sim, pedaços.  A questão é:  pedaços de que?  pedaços que querem ir aonde?  pedaços que gostam do que?  pedaços que não gostam do que? _ são muitas questões.  Também são muitos pedaços. E se cada pedaço se ocupar de uma questão? Dessa vez não houve resposta. Acho que ela estava ocupada a tentar entender o alcance daquela queda, daquela quebra, daquele despedaçar.  Sim. Tinha acontecido. O que um dia tinha sido nosso e era bonito e lustroso, os outros até invejavam, agora tinha quebrado. Nós também tínhamos quebrado um pouco com aquela queda. Por fim, ela disse: _ Rachado. Despedaçado. Quebrado. Sim, Mas, também reconfigurado. Desconstruíd

O começo das águas

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por Caroline Stampone As águas começaram verde claro. Quando dei por mim estava cercado por um azul escuro lamacento e sujo. Não sabia voltar. Achava que voltar era preciso. Já acreditaram em cada coisa. Navegar foi preciso. E não viver. Foi o que disseram e até deixaram escrito. E quanta gente de verdade não acabou grudado a essa certeza. Combater o terrorismo é preciso. Uma das verdades atuais. Voltar para a sua própria casa é preciso. Outra das verdades atuais. Bandido bom é bandido morto, uma verdade que já anda até um pouco capenga, de tão velha, mas que continua grudada a boca de tanta gente. E onde é que essas verdades começam? Por que é que tanta gente as repete? O que é mesmo isso de terrorismo? Quem é o terrorista? O jovem ativista que luta por um mundo onde os mares deixem de ser poluídos por multinacionais que só pensam no lucro é de fato um terrorista? Um ativista político lutando contra uma ditadura é um terrorista? E será que o terrorismo não existe em mais

conselhos dum sábio

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por Caroline Stampone Cruzei com um sábio dia desses. Não foi por querer. Acidente mesmo. Ou graça da vida. Sei não.  A primeira vista não percebi que tratava-se de um sábio de sapiência verdadeira. Pensei que fosse só imitação.  De qualquer modo aproximei-me e ia apertar o clique para fazer uma foto da estátua, quando escuto: _ Está com cara de quem anda a procura de respostas.  _ oi, hein, é comigo?  A estátua disse que sim. Quer dizer, o sábio.  Perguntei:  _ Olha, desculpe, mas não era suposto o senhor ficar calado? Ele respondeu que não fazia sentido. Não fazia sentido pedir desculpas logo que eu abria a boca. Quis saber onde eu tinha aprendido aquilo. Quis que eu lembrasse. Disse que não tinha precisão. Havia coisas mais importantes para fazer.  O sábio garantiu-me que eu andava agarrada as precisões erradas. Não havia nada mais urgente do que desfazer um mau hábito como aquele. Passar a vida inteira desculpando-se custava caro demais.  Tentei dizer '

a verdade da idade passada

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por Caroline Stampone a verdade da idade passada já não me serve, ficou pequena demais, aperta o dedinho e não me deixa respirar a verdade da idade passada não sabe nada de constância, existiu assim assado, um pouco bipolar deve ser por isso que deixou-me essas lombrigas a passearem-me pelo bucho, pela pele e pelas narinas a verdade da idade passada é tinhosa, fez questão de deixar-me um presente que eu não pedi: uma marca certo que é miudinha, quase ninguém pode ver, mas o caso é que já virou parte de mim. não é fácil carregar pela vida algo que já não lhe serve mais _ mas quem foi que disse que a vida é fácil? a verdade da idade passada é respondona e cheia de manias deve ser por causo das circunstâncias de seu nascimento foi parida em tempos de bonança, excesso de sol, excesso de tempo excesso de horas em que esteve sempre tudo bem a idade passada foi bonita e fora do tempo era para eu saber que as verdades dela não iam saber andar no mundo

um desconhecido e a arte

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por Caroline Stampone Hoje um desconhecido cruzou o meu caminho. Ou fui eu quem cruzou o dele? Quem é que sabe.  Podia ter sido só um esbarrão e cada um ia seguir com a sua própria vida. Mas, antes houve um breve hiato, em que trocamos palavras sobre a danada da arte.  De certo foi porque esbarramo-nos em chão teatreiro. Conhecemo-nos numa audição para uma peça de teatro. E dia de teatro é sempre dia de algo inesperado acontecer. Daquela vez foi dia de trocar verdades com um desconhecido, que confessou saber mais de estrelas do que gostaria.  O desconhecido acredita que a arte é importante porque permite ao ser humano chegar mais fundo em si mesmo. Eu fiquei pensando onde é que que ficava esse fundo? Para algumas pessoas seria simplesmente o fundo dos bolsos, já que muitas vezes tem que escolher entre o jantar ou o bilhete para uma determinada peça ou exposição. É triste que a cultura ainda seja tão pouco valorizada pelo Estado. Como o senhor Gentileza disse mês passado, a

no meio do mar

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por Caroline Stampone no meio do mar a gente não esquece que o mundo está em movimento na primeira semana o estômago embrulha, as pernas insistem que não sabem viver naquele outro mundo mas, daí o corpo adapta-se aprende a respeitar a vontade das ondas no meio do mar a gente aprende muita coisa... eu aprendi solidão no meio do mar reaprendi o desapego lembrei que a saudade se alimenta da ausência aprendi a apreciar uma maré calma aprendi a desrespeitar os meus medos no meio do mar não pude esquecer da minha pequenez e nem de tudo o que eu não sei no meio do mar achei graça da pressa, da ansiedade e da convenção no meio do mar fiz as pazes comigo mesmo no meio do mar                                                                quebrei os santos todos                                                               esvaziei todas as desculpas                                                                despi todas as mentiras                 

okay

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Quantas vezes você diz ok? O que ok realmente significa? O filme dinamarquês 'Okay', faz com que o ok passeie por nós. Há momentos em que o ok fica entalado na garganta, outros em que faz o estômago doer. Tem horas que o ok é um orgarmo miudinho, e momentos em que ok são pés cansados. Ok é uma história de família, numa sociedade apressada. A personagem principal tem que desacelerar para assistir a morte do pai. Morte que tem hora marcada para acontecer. Mas, que acaba sendo adiada. É nesse espaço entre a morte esperada e a morte propriamente dita que as coisas deixam de estar ok. Ou melhor, que a fragilidade do ok faz-se presente.  Muito do que supostamente estava ok aparece mais de perto e mostra-se desgastado, quebrado, cansado, repetitivo e até sem sentido. Mas, as vezes é simplesmente a vida. Tem horas que a vida não sabe ser mais do que ok. E de quem é a culpa se ok simplesmente não é o suficiente? Para melhorar, esse filme que tem um enredo forte e signif

nasci menina e não quis ser dona de casa

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por Caroline Stampone Eu nasci menina, em tempos em que tudo que esperavam de nós era que soubéssemos cozinhar, fossemos boas esposas e por conseguinte boas mães. Comigo não foi diferente, tentaram me convencer que meu lugar era metida dentro de casa. Primeiro em volta da mãe, aprendendo a bordar, engomar, costurar, cozinhar. Cada tiquinho do que era preciso para ganhar o título de moça prendada. Material de valia quando o assunto era casório. Por último, atrás ou embaixo do marido, até que os filhos chegassem, para encher a casa e repetir a história toda mais uma vez. Eu, que não era boba nem nada, tentei escapar desse destino sem graça logo que achei que pude. Sempre que era dia de me meter na cozinha atrás das receitas milenares da tataravó da vó, o tesouro da nossa família, o meu cartão para um casamento de pertences, euzinha dava voz a uma dorzinha ou outra. Era tonteira, dor de cabeça, dor nas juntas, até dor de barriga servia. No começo ainda funcionou, mas não demorou

amor fora de tempo

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Ela me disse que o começo do amor é como fruta madura ainda no pé, esperando para ser colhida.  _Também o amor, quando acontece, tem hora certa para ser arrancado da vida, engolido, saboreado ou só comido. Se demoramos demais ou se nos afobamos com ele a coisa desanda. O tarde demais deixa o amor pendurado, sozinho. Resta-lhe o mesmo fim da fruta madura que ninguém comeu. Apodrecer e cair. Foi o que ela disse. Eu fiquei pensando se era mesmo o caso. Ela sempre teve essa mania de fazer de conta que tinha as respostas todas. Mas se olhássemos mais de perto, era fácil perceber que não passava de uma menina assim assado, um pouco assustada, um tanto avoada e obcecada com a necessidade de engolir a vida em grandes bocados. Mas essa não é uma história sobre ela. É simplesmente a história de uma das verdades passageiras dela. Essa é uma história sobre o amor e o tempo. Ou se preferirem o idioma dela, uma história dum amor fora de tempo.  Eu particularmente acho que o amor é mais do

desencontros

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ele: _ uma pessoa percebe quando ela começa a acabar? ela: _ como definir as perguntas que merecem a letra maiúscula no começo? ele: _ a deterioração é coisa que denuncia-se pelo caminho. ela: _ é questão de precisão, não de merecimento. ele: _ Tem mais alguma coisa para dizer? não se sabe quem: _ Sim, mas não sei como começar. ela: _ A casa era o mundo todo? ela outra vez: _ Enlouquecer pareceu-me uma alternativa. um curioso: _ Alguém ficou com a casa? ela: _ É que a loucura sabe cultivar entusiasmo. não se sabe quem: _ A casa caiu? ela: _ O que eu não sabia é que mesmo o entusiasmo precisa de alguma disciplina. não se sabe quem: _ Casas bem construídas não desabam nunca ou só demoram mais tempo para ruir?