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Showing posts from November, 2013

Memórias pesadas e urgentes

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Alguns tentaram convencer à si mesmos, repetiam aos outros que existiam para defender à nação e as pessoas de bem. Julgavam saber que terrorista não era gente. Comunista tinha que ser eliminado. E essa lenga lenga de direitos humanos só punha a pátria em risco. "Essas pragas podem disfarçar-se de tudo, até mesmo de mulher grávida.". É o que repetiam para si mesmos. De certo para ter estômago para continuar quebrando gente, dia após dia. Os torturadores, servidores do Estado, queriam acreditar que eram apenas homens de bem fazendo o seu trabalho.  A verdade é que não pouparam nem mesmo as mulheres grávidas da tortura. Ameaçaram torturar seus recém nascidos. Causaram abortos, consequêcia de choques elétricos e ameaça de estupro.  "Eu estava grávida de dois meses, e eles estavam sabendo. No quinto dia, depois de muito choque, pau de arara, ameaça de estupro e insultos, eu abortei" (Izabel Fávero em Direito à memória e à verdade: Luta substantivo feminino ).  Nos

Outro conto

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por Caroline Stampone A casa ou Quando o homem das cabras sumiu é outro dos meus contos de gaveta. Nasceu dum exercício de escrita bem simples. Era assim: "Leia a poesia a seguir e depois escreva um texto em prosa.". Sugerido pela mesma editora e pessoa de impossibilidades, antes aqui já mencionada.  A poesia inspiradora foi A casa de Paulo José Miranda. Parte do livro A voz que nos trai . Trata-se de uma longa poesia que deixa um cheiro de saudade pesada, faltança mesmo. Saudades de uma outra vida, talvez. Contada por um resto metido numa casa de campo. Casa que alimenta-se de vida e não se interessa por morte. Casa onde há um vaso, amoreiras e cogumelos.  Um dos trechos da poesia de Paulo José Miranda que me atingiu mais fundo foi: "O silêncio, de quando em quando, ilumina a casa". Achei uma imagem bonita e forte. Deixei-a confabular com a minha velha obsessão. Deixei com que outros pedaços da poesia ganhassem espaço dentro do quarto da escritor

Porque um escritor deve ter um diário segundo Virgínia Woolf

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por Caroline Stampone Virg ínia Woolf não somente escreveu um diário. Ela também refletiu sobre a relevância duma escritora ter um diário.  Defendeu ela que o hábito de escrever um diário acaba por ser uma boa maneira de praticar a arte da escrita. Argumenta que tal prática é bastante válida não apenas por razões qunatitativas. Ou seja, o argumento de Virgínia Woolf não é simplesmente: quanto mais se escreve, melhor se escreve.  A autora valoriza o exercício de escrita de ocupar-se diariamente dum diário devido ao fato de que o processo de escrita em questão é de outra natureza. Ou seja, não escreve-se um diário com a mesma precisão e disciplina necessária para escrever um ensaio ou uma novela. O diário é um exercício de escrita mais livre, o que cria espaço para a descoberta de aspectos do idioma do escritor que talvez ele não tenha tido a chance de perceber antes.  Quando lança os olhos para o seus diários Virgínia Woolf confessa que seu primeiro impulso é sentir uma e

Um conto: Silêncio de dois

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Silêncio de dois   é um dos meus contos de gaveta. Fala do envelhecer, de encontros e desencontros, enfim, duma humanidade que para ser completa precisa ser capaz de quereres. Protagonizado por uma mulher velha, que passou a vida inteira a aceitar tudo o que lhe era oferecido e que acabou por aceitar também o peda ço de taça que o marido estendeu-lhe, num último momento.  Silêncio de dois  é uma história pesada e atravessada pelo absurdo. Um absurdo que vem a tona para desnudar as muitas faltan ças duma vida esquecida na repetição e na rotina. A  vida de alguém que já não sabe mais querer.  Silêncio de dois fala de dois silêncios, um que sabe dar espa ço e até mesmo unir pessoas. O outro, pesado, só distancia, isola e cria desconhecimento.  Silêncio de dois come ça assim: " A taça caiu, espatifou-se em minúsculos pedaços. Ele não pôde contar. Agarrou um e desenhou uma pequena flor, na pele. Era vermelha. Sorria-me. Não disse palavra. Ofereceu-me o punhado da taça e leva

sabia que deus anda doente de morte?

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por Caroline Stampone  _ Mas, por que padre? _ Natalina, a menina acabou de parar a missa para perguntar por que ao padre  ou sou eu que tô vendo coisa? Natalina esclareceu à Maria Amélia, mais conhecida como Dona Mélinha, que ela estava boa das ideias. O absurdo tinha mesmo ocorrido. E a menina não tinha nem mesmo tido o respeito de chamar o padre de senhor. _ O mundo está perdido! _ Se não está_ respondeu Natalina. Para surpresa das beatas e das ovelhas todas o padre quebrou o cerimonial e respondeu a pergunta da menina. Usou o velho 'porque são assim que as coisas são'. Seguido do 'está provado e registrado no livro sagrado'. A menina quis saber o que garantia que a bíblia era uma prova incontestável. Aquilo dependia da crendice de tanta gente. E se a Bíblia fosse só mais um livro de ficção, como tantos outros? E mesmo se a bíblia fosse um livro de história... isso não era prova de muita coisa. Afinal, a história não acabava por ser sempre a ve

Artaud: um gênio ou um louco?

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Artaud hoje é considerado um gênio, referência para quem quer estudar teatro. No entanto, enquanto vivo, foi rotulado louco. Passou um grande pedaço de vida (ou  seria só morte?) enclausurado em hospícios.  Sua existência e consequentemente sua obra e seu lugar frente ao e no teatro foi marcada pela tênue linha entre a loucura e a dita normalidade. Distinção que para ele não fazia nenhum sentido. Distinção que ele desejou abolir inclusive do teatro. Para Artaud a função do teatro é ajudar o ser humano a (re)encontrar o 'estado poético'.  Mas, afinal  o que é esse ‘estado poético’ que obcecou Artaud durante uma existência inteira?  O 'estado poético' não é algo fundado no racional, nem tampouco no que comumente é aceito como normal. Pelo contrário, o ‘estado poético’ tem suas raízes intrincadas no mito, no símbolo e no rito. O ‘estado poético’ que moveu (e segundo alguns enlouqueceu) Artaud vai muito além do dito ‘normal’. O estado poético existe para despertar aqu

escritores suicidas

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por Caroline Stampone Hemingway confrontou o suicídio durante toda a sua obra. Por fim, resolveu repetir o fim do pai suicida, acabando com um tiro de espingarda. Virginia Woolf foi temida por muitos. No fim matou-se. Encheu os bolsos do casaco de pedras e entrou no rio, sem intenção alguma de nadar. Hunter S. Thompson inventou o jornalismo gonzo e deixou escritas muitas verdades sobre a mal cheirosa sociedade burguesa. Um dia resolveu dar-se nada mais nada menos do que um tiro na cabeça. Desde então, deixou de existir homem de carne e osso.  Sylvia Plath encheu a arte de confissões e o próprio corpo de narcóticos e gás de cozinha. A sua obra inteirinha grita uma inquietação de quem não pode caber nesse mundo. Mário de Sá Carneiro suicidou. Assim como Giles Deleuze, que nos apresentou a esquizofrenia social. Gérard de Nerval enforcou-se num beco em Paris. Camilo Castelo Branco, após contrair neurosífilis resolveu acabar com a própria vida. David Foster Wallace ap

documentário 'Open Arms, Closed Doors' (Braços abertos, Portas Fechadas)

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O documentário 'Opens Arms, Closed Doors' (Braços abertos, Portas Fechadas) fala da vida de Badharo, um imigrante angolano que vive na favela Mare, no Rio de Janeiro. Ele conta que antes de imigrar pensava que ia encontrar o Rio de Janeiro das novelas, uma cidade linda e de braços abertos. No entanto, acabou por encontrar muito preconceito e muitas portas na cara.  Não é que brasileiro não trate bem imigrante.  "Europeus e norte americanos se dão bem aqui", afirma Badharo. Mas, a situação para quem vem de Angola, enfim, para quem vem da África negra é outra.   A cor da pele ainda tem o poder de abrir e fechar portas. Soa absurdo. Mas, é verdade. Muitas vezes o preconceito ao negro caminha de mãos dadas a exclusão do pobre. Mas, segundo o documentário, mesmo os africanos que vem para o Brasil com a carteira cheia sofrem preconceito.  Badharo é um lutador cotidiano, que faz o que ele chama de rap social. Conta que vem de uma família de lutadores. Seu pai e alguns