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Showing posts from August, 2014

um desconhecido e a arte

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por Caroline Stampone Hoje um desconhecido cruzou o meu caminho. Ou fui eu quem cruzou o dele? Quem é que sabe.  Podia ter sido só um esbarrão e cada um ia seguir com a sua própria vida. Mas, antes houve um breve hiato, em que trocamos palavras sobre a danada da arte.  De certo foi porque esbarramo-nos em chão teatreiro. Conhecemo-nos numa audição para uma peça de teatro. E dia de teatro é sempre dia de algo inesperado acontecer. Daquela vez foi dia de trocar verdades com um desconhecido, que confessou saber mais de estrelas do que gostaria.  O desconhecido acredita que a arte é importante porque permite ao ser humano chegar mais fundo em si mesmo. Eu fiquei pensando onde é que que ficava esse fundo? Para algumas pessoas seria simplesmente o fundo dos bolsos, já que muitas vezes tem que escolher entre o jantar ou o bilhete para uma determinada peça ou exposição. É triste que a cultura ainda seja tão pouco valorizada pelo Estado. Como o senhor Gentileza disse mês passado, a

no meio do mar

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por Caroline Stampone no meio do mar a gente não esquece que o mundo está em movimento na primeira semana o estômago embrulha, as pernas insistem que não sabem viver naquele outro mundo mas, daí o corpo adapta-se aprende a respeitar a vontade das ondas no meio do mar a gente aprende muita coisa... eu aprendi solidão no meio do mar reaprendi o desapego lembrei que a saudade se alimenta da ausência aprendi a apreciar uma maré calma aprendi a desrespeitar os meus medos no meio do mar não pude esquecer da minha pequenez e nem de tudo o que eu não sei no meio do mar achei graça da pressa, da ansiedade e da convenção no meio do mar fiz as pazes comigo mesmo no meio do mar                                                                quebrei os santos todos                                                               esvaziei todas as desculpas                                                                despi todas as mentiras                 

okay

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Quantas vezes você diz ok? O que ok realmente significa? O filme dinamarquês 'Okay', faz com que o ok passeie por nós. Há momentos em que o ok fica entalado na garganta, outros em que faz o estômago doer. Tem horas que o ok é um orgarmo miudinho, e momentos em que ok são pés cansados. Ok é uma história de família, numa sociedade apressada. A personagem principal tem que desacelerar para assistir a morte do pai. Morte que tem hora marcada para acontecer. Mas, que acaba sendo adiada. É nesse espaço entre a morte esperada e a morte propriamente dita que as coisas deixam de estar ok. Ou melhor, que a fragilidade do ok faz-se presente.  Muito do que supostamente estava ok aparece mais de perto e mostra-se desgastado, quebrado, cansado, repetitivo e até sem sentido. Mas, as vezes é simplesmente a vida. Tem horas que a vida não sabe ser mais do que ok. E de quem é a culpa se ok simplesmente não é o suficiente? Para melhorar, esse filme que tem um enredo forte e signif

nasci menina e não quis ser dona de casa

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por Caroline Stampone Eu nasci menina, em tempos em que tudo que esperavam de nós era que soubéssemos cozinhar, fossemos boas esposas e por conseguinte boas mães. Comigo não foi diferente, tentaram me convencer que meu lugar era metida dentro de casa. Primeiro em volta da mãe, aprendendo a bordar, engomar, costurar, cozinhar. Cada tiquinho do que era preciso para ganhar o título de moça prendada. Material de valia quando o assunto era casório. Por último, atrás ou embaixo do marido, até que os filhos chegassem, para encher a casa e repetir a história toda mais uma vez. Eu, que não era boba nem nada, tentei escapar desse destino sem graça logo que achei que pude. Sempre que era dia de me meter na cozinha atrás das receitas milenares da tataravó da vó, o tesouro da nossa família, o meu cartão para um casamento de pertences, euzinha dava voz a uma dorzinha ou outra. Era tonteira, dor de cabeça, dor nas juntas, até dor de barriga servia. No começo ainda funcionou, mas não demorou

amor fora de tempo

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Ela me disse que o começo do amor é como fruta madura ainda no pé, esperando para ser colhida.  _Também o amor, quando acontece, tem hora certa para ser arrancado da vida, engolido, saboreado ou só comido. Se demoramos demais ou se nos afobamos com ele a coisa desanda. O tarde demais deixa o amor pendurado, sozinho. Resta-lhe o mesmo fim da fruta madura que ninguém comeu. Apodrecer e cair. Foi o que ela disse. Eu fiquei pensando se era mesmo o caso. Ela sempre teve essa mania de fazer de conta que tinha as respostas todas. Mas se olhássemos mais de perto, era fácil perceber que não passava de uma menina assim assado, um pouco assustada, um tanto avoada e obcecada com a necessidade de engolir a vida em grandes bocados. Mas essa não é uma história sobre ela. É simplesmente a história de uma das verdades passageiras dela. Essa é uma história sobre o amor e o tempo. Ou se preferirem o idioma dela, uma história dum amor fora de tempo.  Eu particularmente acho que o amor é mais do

desencontros

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ele: _ uma pessoa percebe quando ela começa a acabar? ela: _ como definir as perguntas que merecem a letra maiúscula no começo? ele: _ a deterioração é coisa que denuncia-se pelo caminho. ela: _ é questão de precisão, não de merecimento. ele: _ Tem mais alguma coisa para dizer? não se sabe quem: _ Sim, mas não sei como começar. ela: _ A casa era o mundo todo? ela outra vez: _ Enlouquecer pareceu-me uma alternativa. um curioso: _ Alguém ficou com a casa? ela: _ É que a loucura sabe cultivar entusiasmo. não se sabe quem: _ A casa caiu? ela: _ O que eu não sabia é que mesmo o entusiasmo precisa de alguma disciplina. não se sabe quem: _ Casas bem construídas não desabam nunca ou só demoram mais tempo para ruir?

amarguei por culpa da guerra

Quando aconteceu a primeira explosão eu estava lavando as camisas dele. Escutei um barulho. Daí percebi que a força tinha acabado. Corri para achar as crianças. Não estavam em nenhum canto da casa. Por longos minutos fui só desespero. Daí lembrei que os meninos estavam na escola. Calmei. É que escola é lugar seguro, não é mesmo? Não no meio da guerra. Duas semanas de bombardeios foram suficientes para deixar claro que no meio duma guerra como essa não há lugar seguro. Não há lugar para nós. Explodiram soldados, civis, crianças, velhos, cachorros, casas, escolas, lojas, sonhos, roupas recém compradas, retratos de familia, esperança, gente ja meio morta e gente que mal tinha nascido. Todo dia um conhecido meu acaba. Há dias que são famílias inteiras, explodidas de uma vez. Eu até desconfio que seja menos ruim assim. Partir com os seus, ao invés de sobrar sozinha. Ha uns mortos que tem direito a funeral. Para outros não sobra familiar ou conhecido vivo para carregar o caixão. E h

um músico de rua que carregava a casa consigo

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por Caroline Stampone Tinha dia que ele se intitulava 'músico de rua'. Tinha outros em que preferia 'vagabundo'.  Tinha dias em que dizia que era triste que as pessoas insistissem tanto na exotização alienada da personagem. Gostava mesmo era de sentar no meio da praça e conversar com a música do passado, trazê-la até nós. Mas os turistas não queriam ouvir a música, queriam eram tirar fotos ao lado do palhaço vestido de inca.  _ É o que vende, fazer o quê.  Tinha dias que ele sabia o que fazer. Sorria e conversava com toda a gente. Cantava com tanta alegria que não sobrava espaço para sentir medo da fome.  Tinha dias que ele se apresentava como um músico que tinha um pé na cultura inka, o coração no Peru e os olhos, a pele e a voz espalhados pelo mundo inteiro.  Tinha dias que ele era um moço a moda antiga, fã de tradições, que fazia questão de pedir licença para sentar, mesmo tratando-se do banco da praça. Todo dia para ele era dia de 'Pachamama!&

diário de viagem: Camboja

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por Caroline Stampone No Camboja encontrei muitos sorrisos, mas também muito cansaço. Eu mesma fiquei cansada. Não por causa do sol quente. Mas por existir turista em todas as horas do dia. Em Siem Reap (a cidade mais próxima de Angkor) e Phnom Pen (a capital do Camboja) há gente insistindo para que você compre algo a todo momento. Muitas crianças vendendo livros, lenços, cartões postais, água, comida, direções, fotografias. O que é compreensível. Nós, turistas, somos a principal fonte de renda do lugar. Um lugar repleto de beleza, mas também atravessado por uma injustiça tremenda e por uma pobreza que ainda sabe dar passos longos.  por Caroline Stampone Angkor é quase indescritível. Uma das maravilhas do mundo. Você anda no meio de todas aquelas pedras esculpidas, templos gigantescos, que parecem ter sido criados por deus e não pelo homem. Um lugar que têm tanta história e que ainda está tão conectado com a natureza. Em alguns templos há árvores e templos misturado

a vida da vó

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por Caroline Stampone A vida inteirinha da vó foi trabalhar. Nascida numa família comprida, que muito cedo veio a conhecer a fome. Nunca tinham sido endinheirados, mas no começo ainda podiam viver do que a terra lhes dava. Mas daí o pai resolveu mudar-se para a cidade. Tinha ouvido falar que ali a vida era menos dura, havia uma tal de luz elétrica, que não deixava ninguém no escuro. A água não tinha que ser buscada no rio, nem no poço. Chegava em canos, dentro da casa de cada um. O que ninguém lhe disse é que era preciso pagar por tudo isso. O trabalho na fábrica não era fácil. Ainda mais duro do que a lida com a terra. O pai trabalhava quatorze horas todos os dias. Naquela época não tinha isso de fim de semana, não. De qualquer modo, o dinheiro nunca bastava para por comida na mesa. Também pudera, agora quase tudo tinha que ser comprado. A mãe ainda fazia das tripas do coração pra ter umas galinhas e uma hortinha no nosso quintal pequenito, mas aquilo não dava para nada.

Ariano chega ao céu

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Antes de entrar ocupou-se duma questão: na pele de quem é que ia adentrar o céu? Deixava que o cangaceiro manso o levasse? Ou seria melhor o mentiroso? Podia ser que o professor tivesse melhores chances? Mas era um risco. Como é que ia ter certeza, se pelo menos no céu os professores eram reconhecidos? Podia dar voz ao cantador sem repente. Mas também podia atacar de profeta, uma última vez. Até lembrou do frade sem burel, mas acabou por optar pelo palhaço frustrado. É que chegar ao desconhecido parecia que combinava com a tentação de fazer rir. Quem sabe não fazia a morte chacoalhar-se toda, divertida por uma de suas piadas? Ariano sabia que as chances eram poucas. Uma vez que ele como palhaço era um ótimo poeta. E poetas ajudam a subir a montanha, mas nem sempre sabem acordar o riso fácil. Apesar dos pesares, ainda era a melhor das opções,  apertar a mão da morte na pele do palhaço frustrado. É que esse sim, entre uma piada e outra, todas sem grande efeito, a

uma distância

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foto por Carol Stampone Há uma distância entre mim e mim mesmo. A terapista insiste em chamar de caverna, uma caverninha que mora dentro de mim. Eu não gosto dessa imagem. Nem da psicóloga. Acho que ela só repete o que deixaram escrito nos livros que defendem que as pessoas podem caber em gavetas. A distância entre mim e mim mesmo é verdadeira. Mas há uma imagem muito mais inteira, uma imagem muito mais honesta para explicá-la. É como se um pedaço de mim vivesse naquele barquinho, aquele mesmo que eu posso enxergar ali na frente. Um barquinho que sempre navega no meu horizonte, mas que eu nunca alcanço. No fundo eu sei que o que eu preciso é conversar com esse meu medo de me atirar à vida. Aprender a nadar, sem pressa. Pedir ajuda e chegar ao barquinho. Apertar a mão do pedaço de mim que vive ali dentro e daí é só seguir em frente. O barquinho não é muito grande por razão de precisão. É que não me deixa espaço para viver de passado, nem de futuro. No barquinho eu tenho que