no meio do mar

por Caroline Stampone

no meio do mar a gente não esquece que o mundo está em movimento
na primeira semana o estômago embrulha, as pernas insistem que não sabem viver naquele outro mundo
mas, daí o corpo adapta-se aprende a respeitar a vontade das ondas
no meio do mar a gente aprende muita coisa...

eu aprendi solidão no meio do mar
reaprendi o desapego
lembrei que a saudade se alimenta da ausência
aprendi a apreciar uma maré calma
aprendi a desrespeitar os meus medos

no meio do mar não pude esquecer da minha pequenez
e nem de tudo o que eu não sei
no meio do mar achei graça da pressa, da ansiedade e da convenção
no meio do mar fiz as pazes comigo mesmo

no meio do mar 
                                                              quebrei os santos todos
                                                              esvaziei todas as desculpas 
                                                              despi todas as mentiras 
                                                              e ressuscitei uma sereia

uma sereia 
que não comi, nem embalsamei, 
apenas sentei para ouvir o seu canto
canto do abismo
fora do mundo humano
despossuído, desconhecido
sem rótulo
inteiro e impossível

no meio do mar 
descosturei fronteiras 
desinventei verdades 
e pari um outro eu
um eu que não tem medo do outro 
e que já não diz amém. 
                                                        


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