quando a mulher luta, ela luta duas vezes

desenho de Carol Stampone

O livro 'A mulher habitada' de Gioconda Belli, não nos deixa esquecer que quando a mulher luta, ela luta duas vezes.
Luta contra um opressor que é fácil chamar de inimigo, a saber, o ditador, o colonizador, o invasor, mas, luta também contra um opressor que muitas vezes é invisível e habita entre os seus próximos e os seus ossos.
'A mulher habitada' tem duas protagonistas. Lavínia e Itzá. Duas guerreiras. Duas mulheres que lutaram contra opressores. Duas mulheres que amaram revolucionários, lutaram ao lado deles. Insistem que não lutaram por eles, mas por elas mesmas. No meio do caminho acabam por deixar escapar que lutaram também por eles. Duas mulheres que lembram-nos que uma mulher, quando luta, luta duas vezes.
Itzá, a índia que lutou contra os espanhóis invasores ao lado de seu amor, Yarince, para defender a sua terra, a sua cultura, a sua alma, o seu amor, lembra que ela era vista como despreparada e até como um empecilho pelos outros guerreiros, simples e unicamente porque era mulher.
Ela desenha assim as dores incumbidas às mulheres guerreiras:
"Eu era forte e minhas intuições, mais de uma vez, nos salvaram de uma emboscada. Era dócil e freqüentemente os guerreiros me consultavam sobre os seus sentimentos. Tinha um corpo capaz de dar vida em nove luas e suportar a dor do parto. Eu podia combater, ser tão hábil como qualquer um com o arco e a flecha e, além disso, podia cozinhar e dançar para eles nas noites plácidas. Mas eles não pareciam apreciar estas coisas. Deixavam-me de lado quando tinham que pensar no futuro ou tomar decisões de vida ou morte. E tudo por aquela fenda, essa flor palpitante, cor de nêspera, que tinha entre as pernas. (BELLI, 2000, p. 89).
A 'flor palpitante' entre as pernas, da onde os homens todos são arrancados, a mesma flor, o mesmo rasgo que serve como marca de um valor menor. Um valor insuficiente para virar guerreiro, um valor insuficiente para virar senhora da própria vida, segundo as convenções. Apesar disso, Itzá luta como pode. Vai à guerra e prova a cada batalha que pode ser soberana de si própria e que pode decidir pelo o que vale a pena viver e pelo o que vale a pena morrer.
Itzá, como muitas das outras índias, decidiu sacrificar a realização do amor, como ato de resistência. Ela decidiu não ter filhos. Decidiu não fazer amor com o seu amado. Essa foi uma das formas que as mulheres índias encontraram para resisitir, de certo modo. Como bem coloca a personagen Itzá:
"Disse: Não, Yarince, não. E depois disse “não” de novo e disse o não das mulheres de Taguzgalpa, de minha tribo, não queríamos filhos para as capitanias, filhos para as construções, para os navios; filhos para morrer despedaçados pelos cachorros se fossem valentes e guerreiros". (BELLI, 2000, p. 137).
Sim, quando a mulher luta ela luta duas vezes. Luta contra o opressor e também contra o machismo que vive entre os seus, e muitas vezes, até mesmo dentro dela mesma.


Quem quiser saber um pouquinho mais sobre 'A mulher habitada' pode conferir o post http://www.carolstampone.blog.br/2015/10/a-mulher-habitada-de-gioconda-belli.html.

um abraço e inté a próxima, 

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