Conversando com “Vozes Mulheres” de Conceição Evaristo
Conceição abriu-se, hospedou a poesia e gritou verdades doídas, em sussurros
Otacílio ouviu-a e ficou maior
de reprente, de supetão, surpresa boa de domingo preguiçoso
viu-se parte do espelho social
um tiquinho de nada
uma manchinha só
difícil saber se uma mulher negra estava mesmo tendo espaço e lugar pra lembrar, entender e dizer em voz alta o quanto é injusto existir num mundo que nos vê e nos marca de acordo com a cor da nossa pele
não, Otacílio não estava sonhando
chegou a vez de começar a ouvir Conceição
passou da hora de parar de fazer de conta que no Brasil a miscigenação é um sucesso
Otacílio sabe que ser preto no Brasil não é brincadeira não
talvez o que ele ainda não entenda é que ser preta é ainda mais difícil
Conceição, Djamila, Sueli e tantas outras estão abrindo a boca, a pele, os livros
seguindo o exemplo de Lélia Gonzales
elas adentram o espaço público e ousam fazer barulho
“chegou a hora do lixo falar”
o que é verdade e já não pode mais ser ignorado
a mulher negra não é aristotelicamente um corpo feito para ocupar o porão do navio, a cozinha ou a cama alheia
ela quer e merece existir em terra de possibilidades
onde possa ser mulher e negra e mais
Comments
Post a Comment