Nos bastidores de Quis dizer. O caderno de capa azul.

Uma vez cruzei com uma pessoa impossível, que, por coragem e 'rexistência' insistiu em fazer-se editora. Convidou-me para atravessar o rio e visitar a margem esquerda. Fez-me um montão de perguntas e repetiu incontáveis vezes que um escritor escreve, escreve, escreve...
A primeira vez que cruzei com a moça das impossibilidades foi no cenário perfeito: numa casa de impossibilidades, mais especificamente, numa das sobreviventes repúblicas conimbricenses. E como não poderia deixar de ser nessa noite a anfitriã foi a poesia. Leu-se, opinou-se, apreciou-se o silêncio que mora entre as palavras. Num determinado momento foram lidas duas poesias de amor.
A das impossibilidades exigiu que todos se pronunciassem. De qual poesia gostas mais?
E desde então foi sempre assim. Perguntas e mais perguntas. Do que gosta? Do que não gosta? O que queres? Por que escreveu assim e não assado? Porque não escreves sobre isso?
É que gente de impossibilidades é assim. Não tem tempo a perder. Abre a boca para falar de um bom livro, para sugerir um bom filme, para posicionar-se, para dizer ao que veio.
Nesses tempos eu ainda estava no finzinho do meu pedaço de vida mais escuro. No qual parecia que eu ia acabar em lágrimas, mais dia, menos dia.
A moça das impossibilidades ajudou-me a ver que não havia modo de chorar um livro inteiro. Era melhor começar a escrevê-lo. Declarou-se partidária dos exercícios de escrita e da procura pelo novo. Não era fã de reescritas.
Concordei com algumas coisas, discordei de outras. Voltei a ser capaz de expressar as minhas opiniões. Li muitos dos autores que ela sugeriu. Fiz exercícios e mais exercícios. Participei de oficinas. Devagarinho, comecei a abrir-me para além de mim.
Já acreditava que a vida de um escritor faz-se das suas obsessões e do seu suor. Vim a aprender que ela também é feita a partir dos presentes e das ausências. Do que acontece-lhe. Do que cai-lhe encima.
A das impossibilidades caiu-me encima e atirou-me uma provocação que grudou-se a minha mala. Um escritor escreve, dia sim, outro também. Essa simples verdade foi o melhor presente que ela poderia ter me dado.
O caderno de capa azul foi outro dos muitos presentes que recebi da impossível editora. E foi nele que Quis dizer nasceu mirradinho e chorão. É que tentava gritar uma verdade urgente, mas, ainda não tinha aprendido a falar.
by Caroline Stampone 

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