Artaud: um gênio ou um louco?

Artaud hoje é considerado um gênio, referência para quem quer estudar teatro. No entanto, enquanto vivo, foi rotulado louco. Passou um grande pedaço de vida (ou seria só morte?) enclausurado em hospícios. Sua existência e consequentemente sua obra e seu lugar frente ao e no teatro foi marcada pela tênue linha entre a loucura e a dita normalidade. Distinção que para ele não fazia nenhum sentido. Distinção que ele desejou abolir inclusive do teatro.
Para Artaud a função do teatro é ajudar o ser humano a (re)encontrar o 'estado poético'. 
Mas, afinal o que é esse ‘estado poético’ que obcecou Artaud durante uma existência inteira? 
O 'estado poético' não é algo fundado no racional, nem tampouco no que comumente é aceito como normal. Pelo contrário, o ‘estado poético’ tem suas raízes intrincadas no mito, no símbolo e no rito.
O ‘estado poético’ que moveu (e segundo alguns enlouqueceu) Artaud vai muito além do dito ‘normal’. O estado poético existe para despertar aquilo que o ser humano esqueceu, perdeu e muitas vezes julga que nem sequer existiu. O ‘estado poético’ está arraigado em uma “noção ardente e convulsionada da vida”. Uma noção de vida há milhas de distância daquela que hoje é a rotulada ‘normal’.
Viver a procura dos mitos, ritos e símbolos para Artaud é sinônimo de uma missão que deve ser vivida no agora e com o ser inteiro metido na realidade. Afinal, Artaud acreditava que a realidade é tremendamente superior a qualquer história, a qualquer fábula, a qualquer divindade, a qualquer super-realidade”. 
Segundo Artaud encontrar as palavras da realidade é missão para o 'homem total'. Apenas o 'homem total' é capaz de alcançar tais verdades. Cabe ao homem atirar-se à realidade.
E no caso dos que teatram a realidade deve ser a sua inspiração. Os atores e atrizes devem carregar consigo toda a sua humanidade e ir até à realidade inteiros e completamente abertos, prontos para ouvi-la, cheira-la, toca-la, senti-la, misturar-se a ela. Só assim chegarão ao sentido. Um sentido que não é lógico, mas, transcendente e completo. 
E não apenas os atores precisam mergulhar inteiros na realidade, sem preocuparem-se com as velhas regras e convenções sociais. Também o público deve estar inteiro no teatro e na vida. Só assim a experiência acontecerá de fato. Não há experiência para pedaços de homens. 
Na vida e no teatro Artaud exige o ‘homem total’. Idealiza o que ele chama de teatro da Crueldade, onde é necessário o homem total. Ao teatro da crueldade não servem nem o homem psicológico, nem tampouco o homem social. O homem total não disseca sentimentos, nem tampouco submete-se a leis, religiões ou preconceitos. 
No teatro da crueldade o que Artaud propõe é a uma viagem ao encontro daquilo que primeiro e essencialmente somos ou fomos. O ser humano antes da invenção de regras sociais, antes da criação das religiões que justificam e apagam, antes da psiquiatria que rotula e medica. O ser humano que está antes de tudo isso que ele mesmo construiu, tendo em vista fins quase sempre associados ao poder.  Fins esses que acabaram por ser os fundadores do conflito entre opressores e oprimidos, a saber, entre os detentores do poder e os despossuídos.
Muitos afirmam que Artaud nunca chegou a encontrar o 'homem total' e o 'estado poético'. Pode bem ser que essa seja a verdade. De qualquer modo, Artaud deixou plantadas urgências. A urgência de encontrar no teatro e na vida seres humanos que não contentem-se em funcionar ou seguir rebanhos. A urgência de lutar por uma vida sem opressão. A urgência para que o teatro e a vida realmente aconteçam, não apenas imitem. Assim, talvez, sejamos capazes de jogar fora as velhas e castrantes categorias: no centro e no comando do mundo os normais, nas margens, esquecidos, os loucos. 

por Caroline Stampone 


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