revoluções perdidas?

por Caroline Stampone 

Há isso de revoluções perdidas?
Uma revolução egoego é sobre perder ou ganhar?
As revoluções nascem por alguma coisa ou contra algo ou alguém?
Dia desses cruzei com palavras do saudoso Millôr Fernandes, que caíram-me encima mais como provocação bem vinda do que como matéria de desacordo. E isso não é porque tenho medo de discordar dos mortos. 
Dizia Millôr Fernandes: 
"Fiz três revoluções, todas perdidas. A primeira contra Deus, e ele me venceu como um sórdido milagre. A segunda contra o destino, e ele me bateu, deixando-me só com o meu pior enredo. A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi e vim parar aqui" (em Autobiografia de mim mesmo à maneira de mim próprio).
Fiquei caraminholando ideias. O que significa isso de revolucionar contra? 
Revolucionar contra pode ser simplesmente girar no sentido contrário. Começar a andar para o outro lado. Deixar algo ou alguém para trás. Desrespeitar as regras. Partir. Deixar a casa para trás. Parar de rezar. Esquecer o lugar que a sociedade disse que é o seu. Parar de frequentar a mãe de santo. Ou passar a acreditar piamente na leitura de destino da cigana.
Para alguns o revolucionar contra passa pela necessidade do grito ou até mesmo pela precisão de cuspir na cara do inimigo. Uma urgência de dizer 'não!chega! não participo mais!'. Uma urgência de rasgar-se no meio da praça. Cuspir na cara do passado. Dizer adeus aos berros. Sem a trilha sonora da bandinha da cidade.

Talvez ande a girar numa bolha de otimismo. Hoje acho que no contexto egoego não há isso de revoluções perdidas. Isso porque as revoluções egoego não são sobre derrota ou vitória. São sobre 'quem eu sou' e 'quem quero ser'. Tomar consciência de si mesmo e das suas circunstâncias atuais. Decidir se quer continuar o mesmo ou se quer tentar algo novo.
Uma revolução egoego é sempre uma tentativa. Tentativa de um outro começo, duma outra direção, dum outro enredo. As vezes é um passo na direção daquele que quer ser. Outras vezes é uma dança rumo ao desconhecido. De qualquer modo é sempre a partida dum lugar costumeiro, nem sempre confortável. 
As revoluções egoego não são para a minha avó e nem para os adeptos da filosofia de vida dela. "Temos que viver o nosso pedaço de vida com resignação e princípios, minha neta. O nosso pedaço de vida é curto demais para perdermos tempo com lutas vãs. Afinal, não está no nosso poder mudar nem a nós mesmos e nem as nossas circunstâncias". 
Acho que o Millôr Fernandes que provoca-nos com as suas revoluções perdidas não concordaria com a minha vó. Palpito que ele desabafa sobre as revoluções perdidas não porque acredite que não devamos perder tempo com revoluções. Pelo contrário. As revoluções de que fala, perdidas ou não, são matéria de definição dum sujeito. Sujeito que viveu fora da casinha do esperado. Sujeito que quis andar em mais de uma direção. Sujeito que fez perguntas, ao invés de repetir apenas 'sim, senhor'. Sujeito que acabou, como todos acabam. Mas, que ao contrário da maioria, ousou ser mais do que o mesmo.
Viver uma vida inteira sendo sempre o mesmo não é tarefa de revolucionários. Os que revolucionam-se não aguentam acabar no lugar em que o papai, a mamãe e o bom padre decidiram que devia ser o seu. Os que revolucionam-se ousam tentar o inesperado. Viajam, falam com desconhecidos. Dizem 'não', mesmo quando a sociedade exige que têm a obrigação de dizer 'sim'.
É verdade. Tem vezes_ e não são poucas_ que os que revolucionam-se caem, machucam-se, arrependem-se, e até mesmo trombam com finais infelizes. Mas ninguém nunca os acusara de terem apodrecido numa vida chata, monótona.

No próximo post ainda não tenho certeza sobre o que irei palpitar. É que há tantas histórias começadas. Mulheres que decidiram registrar o próprio corpo como forma de protesto, um pedaço da história de tia Teresa, conversas com poemas alheios, textos frouxos, exercício de escrita de casa de banho, certezas de Charles Bukowski e centenas de outras. Prometo escolher uma e voltar em breve.
Um abraço e inté,
Carol 

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