Stories & Coffees: sem direito a Natal

Natal impossível.
Em Stories e Coffees também falamos sobre natais que não puderam ser. Natais que faltaram. Ausência de Papai Noel ou jantar de família. Sem menino Jesus para celebrar.
Não necessariamente grande coisa, né?
Eu acho. Dependendo de como o Natal é celebrado é melhor que ele falte mesmo. Ou que seja refigurado. Em tempos de excesso de consumismo uma espécie de abstinência de Natal não faria mal a ninguém.
Quer dizer, se pudesse ser decisão própria.
Nas histórias divididas o Natal faltou por imposição de outrem.
Na ex União Soviética Natal era festa proibida. Por diversas razões. Muita gente junta e em clima de festa podia dar em revolta. Era melhor prevenir. Além disso, toda a adoração e fé deve ser direcionada ao Partido. Que história é essa de celebrar menino Jesus... Concorrência para o Partido? Assim não dá.
Comunismo e religião nunca andaram de mãos dadas. E por mais que muita gente tenha esquecido: o Natal é uma festa religiosa. Ou ao menos era.
Sinto decepcioná-los, mas a função do Natal não é te dar um pretexto para ganhar um celular novo. 
No comunismo da União Soviética, marcado por um milhão de erros, dentre os quais corrupção e ditadores, houve duas coisas boas: ausência de religião e de consumismo. Causas apresentadas para dizer não ao Natal. Causas justas, não?
Não necessariamente. Aos olhos de uma criança explicações como "é assim porque o Partido disse que é assim" não convencem. A probabilidade de que a criança bombardeie:
_ e por que o Partido disse que é assim?
_ Porque um sujeito chamado Marx disse que a religião é o ópio do povo.
_ e o que é ópio?
Ópio? Uma droga. E as drogas são todas ruins. Destrutivas. Mas por um tempinho dão uma sensação tão boa...
Ops! As crianças podem ser perigosas. Perigo à religião, perigo a todo e qualquer tipo de dogma. É que as crianças têm mania de querer explicação para tudo. E ainda exigem explicação que tenha começo, meio e fim.
por Caroline Stampone

Uma das presentes no nosso café com histórias contou que sempre sentiu falta do Natal. Mas aceitou a ausência dele. É que acredita que somos sempre nós e as nossas circunstâncias. Acredita que não podemos fugir das nossas circunstâncias. Nem mesmo mudá-las. Acredita que nasceu onde nasceu porque tinha que ser assim. Acredita que teve a relação que teve com o Natal, porque tinha que ser assim. E o que foi como foi, e o que é como é, e o que será como será é que a definiram, a definem e a definirão. 
Ela parece ser uma mulher doce. Quando anda parece que descobriu um jeito de carregar o sofrimento com elegância. O que me assusta um pouco, devo confessar. 
O que mais gostei da história dessa ex menina que cresceu na ex União Soviética ainda está por vir. Ela contou-nos que ouvia falar de tempos passados onde tinha gente que fazia uma festa em volta de uma árvore. Trocavam presentes e comiam e bebiam até quase explodirem. Pensava que ia ser bom poder fazer o mesmo. Ganhar uma boneca nova. Ver o pai feliz. Fazia tanto tempo que ele não ria. Se houvesse comida e bebida em abundância com certeza ele ria. Para ela Natal era época de sentir saudades de algo que ela só conhecia de ouvir falar.
Por fim, quando cresceu e mudou-se para outras bandas viu uma cena que nunca esqueceu. E é essa a parte da história que eu realmente gosto. Era Natal. Natal em terra estrangeira. Nevava e ele estava na rua. Todas as ruas decoradas com luzes e mais luzes. Como se o mundo nunca fosse ficar escuro outra vez. Daí ela viu um motoqueiro. Um desses motoqueiros uniformizados com colete de guangue famosa (e supostamente perigosa). O motoqueiro parecia muito feliz. Gastava os minutos brincando com a neve e desejando feliz Natal a toda gente. Por um instante ela pensou que também ele tivesse crescido num lugar onde o Natal era proibido. Ficou perguntando-se se aquele homem feliz e gentil era o verdadeiro homem por trás da pinta de perigoso ou se o Natal tinha mesmo o poder de mudar as pessoas.
Rimos todas da imagem do motoqueiro que adora Natal. Daí fomos interrompidos por outra das presentes. Também ela nasceu e cresceu em terras comunistas. Também para ela o Natal foi coisa proibida. Ela contou-nos que por um longo tempo nunca sentiu-se privada de nada. Para ela não celebrar o Natal nunca foi grande coisa. Era apenas como era. Não tinham aquela festa que outras pessoas que viviam em outros lugares tinham. Mas havia tantas outras festas. Sempre a familia e os amigos reunidos para celbrar isso e aquilo. Além disso, disse sentir-se grata por todo o tempo que não precisou desperdiçar em igrejas. Foi interessante ver como até mesmo a ausência do Natal pode ser construída de diferentes formas.
No próximo post intitulado 'Natal é para ficar triste' vou dividir outra das histórias natalinas divididas em Stories & Coffes. E para aqueles que não têm muita paciência com Natal já adianto: essa vai ser a última história sobre o tema. Ufa!

um grande abraço e até a próxima

Carol

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