a relativa doçura de depender dos turistas

por Caroline Stampone

A mãe carrega o nosso mundo na cabeça, todos os dias. Diz que não devemos reclamar dos turistas, afinal, são eles que garantem o nosso ganha pão. 
É verdade, a vida ficou diferente, depois da invasão deles. Menos dura. Ainda sofrida, mas agora há comida na mesa. 
Mas e se eles decidirem não aparecer mais? Perguntei à mãe isso mesmo, o que é que a gente faz se os turistas começarem a minguar?
A mãe respondeu que era para eu parar de pensar em coisa ruim. Mas, eu não pude. 
E se daqui uns anos os turistas acharem lugar mais interessante para gastar seus dólares? E se o Estado não conseguir conter a violência que os turistas podem ver? E se acontece mais uma desgraça natural, dessas que deixa turista com medo? 
Tanta coisa podia acontecer. Depender inteiramente dos turistas não era uma estratégia de vida lá muito segura. 
Voltei a insistir com a mãe. Disse-lhe assim: 'olha, mãe, a senhora não acha que é perigoso a gente depender completamente dos turistas?'. Dessa vez a mãe riu. Um riso comprido e triste. Aquele riso que ela deixava escapar sempre que ficava clara a distância que existia entre nós. Eu, um filho dos tempos remediados. Ela, uma filha da miséria e da guerra. Por fim ela deu voz a distância que eu sabia que existia, mas não era capaz de entender com os ossos. 
_ Para quem nasceu na pobreza e desabrochou no meio duma guerra, meu filho, a insegurança de depender dos turistas chega até a ser doce. 

Essa foto foi tirada em Pnom Phen, no Camboja, em dezembro de 2013. Esse conto foi inspirado no que eu, enquanto turista e gente, vi e senti na minha passagem por esse lugar tão distante do meu cotidiano. Lugar ainda marcado pela miséria e pelas feridas abertas, consequente dos estragos causados pelo regime instaurado pelo ditador Pol Pot. 

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