Incidente em Antares e Getúlio Vargas Parte I

Um dos personagens históricos trazidos a tona em Incidente em Antares é Getúlio Vargas. Érico Veríssimo introduz o famoso ditador brasileiro como um dos filhos do coronelismo. Um homem que respeita a necessidade do apoio dos coronéis para se eleger (ou para meter-se no poder a força). É por isso que o Baixinho_ é assim que o coronel Vacariano irá referir-se à Getúlio ao longo da vida_ vai até Antares. Não trata-se de uma visita de cortesia, mas de uma jogada política. O Baixinho quer garantir a paz entre os dois meios donos da cidade: Coronel Vacariano e coronel Campolargo. Assim, não tera meia cidade do seu lado, mas, uma cidade inteira. 

"Um dia, no princípio do verão de 1925, apareceu sorrateiro em Antares um membro da prestigiosa família Vargas, de São Borja. Chamava-se Getúlio, tinha quarenta e dois anos de idade, era bacharel em Direito, e ocupava então uma cadeira de deputado na Câmara Federal, como representante do Partido Republicano de seu Estado. Homem sereno, de feições e maneiras agradáveis, sabia usar a cabeça com lúcida frieza e possuía qualidades carismáticas ainda não de todo reveladas plena e publicamente. Dizia pouco, mas perguntava muito. Frio, soberbe, sabia jogar com dois fatores importantes na vida: o tempo e as fraquezas humanas".

Foi jogando com o tempo e com as fraquezas humanas que Getúlio Vargas chegou ao poder duas vezes. Da primeira vez o coronel Vacariano foi um de seus fiéis apoiantes. Depois do golpe que garantiu à Getúlio a cadeira de soberano da nação, o coronel  Tibério Vacariano foi passar uns tempos na capital para cobrar a paga pelo seu apoio político. O coronel criou uma suposta firma de advocacia, onde vendia nada mais, nada menos que sua influência política, ou seja, seu acesso ao Baixinho. 
O coronel Vacariano durante o tempo das vacas gordas gritava aos quatro ventos que Getúlio era o homem certo para tomar as rédeas do Brasil. Dizia aos seus botões que o tal Estado Novo tinha sido  "um golpe genial do Baixinho para continuar no poder sem os trambolhos do Congresso e dos partidos políticos". Numa conversa com seu amigo Zózimo Campolargo o coronel Vacariano defende Getúlio assim: 

"_ Precisas compreender, homem, que os tempos mudaram... (...) É preciso reformar as velhas estruturas chamadas democráticas liberais. O Getúlio compreendeu a coisa. Somos um país subdesenvolvido de analfabetos e indolentes. É indispensável unificar e organizar a nação com punho de ferro. Vê o caso da Itália. O Mussolini acabou com a anarquia, implantando a ordem e o respeito à autoridade, e os trens já partem e chegam dentro do horário". 

No entanto, quando a vida política de Getúlio saiu dos trilhos_ o Baixinho foi forçado pelas forças armadas a retirar-se do poder_ o coronel Vacariano foi um dos primeiros a fazer-se de morto. Não foi visitar o ex amigo em Borjas e não ofereceu-lhe solidariedade ou apoio, apesar de continuar admirando a inteligência e a esperteza de Getúlio. 
Obviamente quando Getúlio orquestrou sua volta ao poder nos braços do povo, o coronel Vacariano tentou retomar as boas com o Baixinho. Mas, Getúlio disse não aos seus diversos pedidos de visita.
Desde então o coronel Tibério Vacariano só ouviu falar de Getúlio pelas notícias. A verdade é que nunca deixou de admirar o Baixinho. Sempre acompanhou a trajetória política do mesmo. E foi um dos muitos a bradar em voz alta que as coisas começavam a desandar. É que o Baixinho tinha começado a meter-se em muitas contradições. Tinha aquele Jango no Ministério do Trabalho, certo que Getúlio o demitiu, devido a pressão da oposição. Mas, já era tarde. E todo aquele envolvimento com o lado errado. O lado do povo?

"A própria História _ como lhe havia dito um amigo de boas letras_ conspirava contra o regime getulista, cujas contradições eram demasiado visíveis e haviam ficado ainda mais gritantes quando, no ano seguinte, o Brasil mandou uma Força Expedicionária à Itália, para lutar ao lado dos americanos, em nome da democracia, contra o totalitarismo hitlerista, enquanto Getúlio Vargas mantinha em casa uma versão paternalista de fascismo". 

Por fim, Getúlio foi mesmo obrigado a retirar-se, outra vez. Mas, dessa vez, ao invés de retirar-se da cadeira de ditador, preferiu retirar-se da vida, para entrar para a história. O coronel Tibério percebeu que aquele tinha sido o último golpe do Baixinho. Admirou a esperteza do mesmo, mais uma vez. Mas acabou não indo ao enterro de Getúlio por medo de ser destratado por algum parente que soubesse dos desencontros dos dois.
Sobre a carta testamento de Getúlio Vargas o coronel Tibério afirma: "É um documento infernal. Representa o último e maior golpe do Homem. Custou-lhe a vida, é verdade. Mas, foi uma vitória do mago de São Borjas. (...) O Getúlio com essa carta varre a sua testada, salva-se como homem e como estadista, encontra uma saída honrosa para uma situação pessoal difícil, apresenta-se como mártir do povo, candidata-se à História, vinga-se dos inimigos, atirando nos ombros e nas consciências deles o seu próprio cadáver, e ao mesmo tempo (prestem bem atenção no que estou dizendo!), ao mesmo tempo entrega ao João Goulart e ao P.T.B um programa político e uma bandeira de guerra. E como têm força essas bandeiras ensanguentadas".


Incidente em Antares de Érico Veríssimo está disponível para download e leitura em http://www.igtf.rs.gov.br/wp-content/uploads/2012/04/ERICO_incidente_em_antares.pdf
um abraço e inté a próxima

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