A felicidade é um produto?
por Carol Stampone |
_
Meio quilo de felicidade moída e bem limpinha , por favor.
_ Vou
querer felicidade cortada em bifes bem fininhos.
_
Felicidade em pedaço, e, deixa uns bocados de gordura que é para eu
dividir com o cachorro, por favor.
Será?
O que
é a felicidade? Trata-se de um produto?
De
acordo com Pascal “todos os homens, sem exceção, procuram ser
felizes. Embora por meios diferentes, tendem todos para este fim”.
Quantos de nós não respondem a 'o que você quer da vida?' com o
usual 'ser feliz!'. Muitos, mas, quando pergunta-se 'Como?'
encontra-se as mais diversas respostas, as quais quase sempre cabem
no embrulho 'realização dos meus sonhos'.
Mas, afinal, com o quê o ser humano sonha?
Mas, afinal, com o quê o ser humano sonha?
Ainda há uns poucos que sonham com impossibilidades urgentes, que aprendemos a chamar de coisas como justiça, liberdade amor e igualdade. Muitos sonham com um pedaço de matéria. Um carro novo, uma casa própria, mais um par de sapatos caros, um novo par de seios siliconizados. Quase sempre, os que sonham com um pedaço de matéria, também sonham com o paraíso para os seus. Querem tudo de bom para si e para os seus amigos e familiares. Para eles, a realização do maior sonho é ver os filhos realizados, formados, casados e reprodutores dos bebês chorões que garantirão vida eterna à família.
Há
meio século o dito sonho americano_ mais especificamente o sonho
fortemente presente na boca das famílias de classe média da
sociedade estadunidense_ era ter a casa própria, um carro na garagem
e pelo menos um filho na universidade. Pois então, o tal sonho
americano se transformou em realidade. Do que não seguiu uma forte
maré de felicidade ou satisfação.
Será
que a felicidade tem mesmo a ver com a realização de sonhos? E, se
sim, são os sonhos de quem? Será que os seus sonhos são deveras
seus? Minha avó costumava dizer que era preciso ter cuidado com o
que desejamos, pois nossos sonhos poderiam se realizar. Primeiro achei que ela só estava repetindo o lugar comum, mas daí percebi que o que ela realmente queria dizer é que
é preciso nos certificarmos de que os nossos sonhos são mesmo nossos. Uma vez perguntei à ela se há uma receita para ser feliz. Ao
invés de responder sim ou não vovó devolveu-me outra pergunta:
_ Se
há uma receita para ser feliz será que vale a pena segui-la? Será
que tem graça?
por Carol Stampone |
Resolvi
investigar. Começando do começo. Logicamente, se há uma receita
que leve à x é preciso que saiba-se o que é x, do que é feito,
qual seu tamanho, cor, forma e matéria. Portanto, antes de procurar
a receita para a felicidade é preciso primeiro responder o que é a
felicidade. Muitos seres humanos tentaram e tentam defini-la. Dentre
os resultados por eles encontrados está a tese segundo a qual a
felicidade é o estado em que saciamos todas as nossas necessidades.
_ Mas, se é assim então só podemos ser verdadeiramente felizes após a morte?
Segundo
muitos sim. A verdadeira felicidade só será encontrada após a
morte, e essa vida não seria mais que uma passagem.
No entanto, uma urgência de bem viver agora arrasta-me até as
questões: mas, e aqui e agora é possível ser feliz? Hoje quais são
as nossas necessidades? Somos nós quem as definimos? Por que é tão
fácil confundir ser feliz com ser possuidor de coisas (e às vezes até de gente)?
_
Serei feliz se comprar o último modelo de celular.
Ufa!
Fácil! Será? Por quanto tempo mesmo aquele será o último modelo?
E, se a sua felicidade está intrincada ao fato de ser possuidor de
um novo celular, de um novo carro, de um novo par de sapatos ou de
peitos, enfim, a ser possuidor de coisas, então, você é feliz
porque é dono, ou ainda, porque é senhor. Será?
Pense
de novo! Ser feliz é mesmo sinônimo de ter/possuir? Quem disse?
_
Ora, a televisão vive a repetir, não só através dos comerciais,
mas, também nas telenovelas. E, além disso, meu amigo comprou
um carro novo e maior do que o meu e está felicíssimo.
Então,
quem disse foi a televisão e o tal amigo com o qual você se
compara, certo? De algum modo, dois importantes outros na
constituição de quem você é hoje. Ou será na construção de
quem você pensa que é?
É fato que não vivemos isolados. Vivemos em sociedade, e nela os outros interferem em nossa vida. Mas, quanto é que devemos permitir que interfiram?
É fato que não vivemos isolados. Vivemos em sociedade, e nela os outros interferem em nossa vida. Mas, quanto é que devemos permitir que interfiram?
Há
uma diferença imensa entre experienciar e obedecer, uma diferença
fundamental que não podemos esquecer. Na sociedade moderna muitas das máquinas e tecnologias
criadas pelo homem, podem sim ser um meio para uma vida com benefícios. No entanto, muitas vezes elas são usadas pelos opressores como instrumento de
manipulação e alienação.
Além disso, os outros humanos podem ser postos no lugar daqueles com quem
dividimos nossos bons e maus momentos, aqueles com os quais
construímos nossos sonhos e, consequentemente nossas vidas, como
podem também ser tomados como medidores de infelicidade. Outros com
os quais trocamos experiências podem nos propiciar momentos
especiais, divertidos, alegres, outros também doídos ou mesmo
doidos, enfim, podem ser parte constituinte de nossas vidas em
diversos aspectos, sendo alguns mais coloridos do que outros. No
entanto, o outro que deixamos ocupar o lugar de ditador em nossas
vidas_ seja a partir da cadeira do senhor, seja como a voz da moda a
seguir_ só irá nos afastar de nós mesmos, e, consequentemente nos
fará infeliz, pois, distante de nós nunca conseguiremos responder
adequadamente a seguinte questão fundamental: o que queremos?
por Carol Stampone |
O que queremos?
_
Possuir e possuir mais e mais. Está bem, se disseram que é isso que
deve ser feito nessa sociedade capitalista é o que vou fazer, e,
consequentemente serei feliz. Certo?
Errado!
É urgente não permitir que em nossas vidas as fábricas de sonhos,
as quais são ditadoras, façam casas. Ser feliz é sim, de certo
modo, realizar os nossos sonhos, mas, para tanto é preciso que os
sonhos sejam verdadeiramente nossos. E não os que foram pregados
pela telenovela ou que grudaram-se a nós devido a reprodução de
valores que são vomitados sobre nós desde o momento do nosso
primeiro grito.
Mas,
saber o que realmente queremos pode ser mais complicado do que
parece. Afinal, vivemos muitas vezes distante de nós mesmos.
Desaprendemos a ouvir a nós próprios. Além disso, a felicidade
para o José não é necessariamente a mesma que para o Antonio e nem
para a Maria Gabriela ou para a Juliana, a Madona ou a Antonieta. A
felicidade tem um quê de misterioso, que é mesmo parte constituinte
daquilo que ela é.
Há quem possa ser feliz sem nenhum acúmulo de
bem material, por mais distante que isso possa parecer da sua maneira
de ver o mundo. Por outro lado, não é necessariamente mal, errado
ou forma de alienação adquirir um carro se o fizer de forma responsável.
Mas, antes de trocar de carro todos os anos vale a pena perguntar se
é mesmo você quem quer tal coisa ou se foi manipulado a pensar que
precisa de um carro novo para ser feliz. Conforme sarcasticamente
considerou o dramaturgo irlandês Oscar Wilde: “Do ponto de vista
artístico, a moda não passa, em geral, de uma forma de felicidade
tão insuportável que nos vemos obrigados a substituí-la a cada
seis meses”.
É
urgente enxergar que a felicidade não é um produto, nem tampouco
uma escrava da moda ou de alguma outra ditadura, tal como a do
dinheiro. Conforme já havia constatado Demócrito há mais de dois
mil e quatrocentos anos, “a felicidade ou a infelicidade de um
homem não depende da quantidade de propriedades ou ouro que ele
possui”.
Mas,
se a felicidade não é um produto, por que ainda tanta gente
acredita que pode adquiri-la através da acumulação de bens?
Justamente porque aquilo que a felicidade é, ao menos em parte, é
um mistério. Ora, uma coisa que, por um lado, ninguém sabe muito
bem o que é, e, por outro, todo mundo quer. Pois então, há coisa
melhor para transformar em pseudo mercadoria? O produto felicidade
embrulhado no celular, no carro, no perfume, na máquina que te promete prazer, na comida que te promete prazer, nos peitos de plástico que prometem prazer...
Mas, será que a felicidade é prazer?
O que você acha?
Dividirei a minha opinião sobre o assunto na crônica da próxima quarta feira.
um abraço e inté a próxima
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