as personagens sem nome e os humanos números
Quase todas as minhas
personagens não têm nome.
Será por causa do
complexo de deus?
Quero tanto ser deus, que
faço como ele, meto desgraçados e desgraçadas no mundo, sem nome e
sem documento.
Eles e elas é que têm
que fazer as suas escolhas e traçar os seus caminhos. Será isso?
As minhas personagens sem
nome muitas vezes não crescem. Muitas vezes porque não podem,
de tão quebradas, não conseguem descobrir como é que uma pessoa
cresce e aparece.
Meninos, meninas,
esquizofrênicos, mulheres encolhidas, amargas, diminuídas. Zé e
Marias ninguém.
Muitas das minhas
personagens não têm lugar na sociedade da vez, uma sociedade
consumista, apressada e cruel.
Quase todos os meus
personagens são assombrados por um monstro cotidiano, que não cansa
de crescer: a desigualdade social.
Acho que é um pouco por
tudo isso que vomito tantas personagens caladas, oprimidas, sofridas
e sem nome.
As minhas personagens
existem enquanto extensão fictícia de tantos outros e outras, que
como elas, não têm nome, no mundo real. São números. Números para as
estatísticas.
O número de crianças
que morreu de fome. O número de jovens negros e pobres que foram
assassinados pela polícia. O número de trabalhadores explorados. O
número de analfabetos. O número de desaparecidos pelas ditaduras
sul americanas. O número de imigrantes ilegais explorados. O número
de mulheres que são vítimas de violência doméstica. O número que
importa tão pouco, pois ocupa sempre a periferia do mundo.
Despeço-me com
'Thirteen' de Johnny Cash, uma canção que fala justamente daquel@s que resistem uma existência inteira sendo apenas números.
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