Maria e o vômito literário
por Carol Stampone |
Parece óbvio, mas é fácil esquecer. Para escrever é preciso dizer as coisas de uma forma que os outros entendam.
Mesmo um enredo absurdo precisa ser contado de uma maneira que os outros
entendam. Uma das minhas maiores limitações é ainda a incapacidade
de comunicar o que se passa aqui dentro. Fico a dar voltas sobre imagens
que brilham a minha frente,mostrando as pernas e os braços e o ventre, doidinhas para serem tomadas e resignificadas dentro de um texto meu. Agarro-as, meto-as num conto, numa poesia, num ensaio ou em alguma outra coisa sem nome. Daí, quando volto a olhar para elas estão tão apagadas de si mesmas e tão cheias de mim, do eu, do superego, do vizinho do eu, do filho do mim, da namoradinha do eu, da amante do mim, enfim, em todos os lados parece que lá está aquele que insiste em ser o centro do mundo todo, e as vezes se transveste de artista, um artista gordo e lento, que não sabe ir além do lugar do eu, e, por causa disso, é quase sempre incapaz de significar ao
outro.
Maria também fez-me lembrar o quanto
uma história precisa de ritmo. As coisas não devem ser vomitadas,
ou seja, não devem ser jogadas violentamente, todas de uma vez e
misturadas. Eu sei que é no mínimo contraditório escrever tal coisa aqui, num blog intitulado 'vômito público'. Explico-me ou ao menos tento.
Escolhi chamar essa casa de escrevinhanças de vômito público por duas razões. Primeiro, por causa do conteúdo que me interessa. Quero falar de urgências, de injustiças, dos marginalizados, dos oprimidos. Quero usar a escrita e a arte para pensar e fazer pensar sobre muito daquilo que, apesar de ser urgente e vital, muitas vezes é esquecido, ignorado, jogado para escanteio. E para falar daqueles e daquelas que tantas vezes não têm lugar é preciso alterar a voz, criar espaço. O vômito acha o seu espaço no mundo, a força, derrama-se sobre o mundo, melequento e mal cheiroso.
Além disso, a minha pretensão nesse blog não é divivir textos lapidados. Lógico que o que divido aqui são textos trabalhados, pensados, mas, não são textos sobre os quais me debruço dias e dias revisando, reescrevendo, rearranjando. Essa é uma casa para deixar as minhas obsessões falarem, para deixar que elas conversem com o mundo. É como se aqui eu vomitasse um pouco de tudo aquilo que me enche. Encho-me de histórias, histórias que caem encima de mim quando caminho pelas ruas de um país estranho, histórias que me alcançam quando leio um livro, histórias que riem na minha cara quando assisto a um filme, histórias que as vezes se dão a mim e que outras vezes eu roubo, histórias do passado, histórias de agora, histórias que me pertencem, histórias as quais eu pertenço, histórias sem dono, histórias de gente feia, histórias de gente bonita, histórias que sabem tudo do mundo, histórias que só sabem falar com as crianças, histórias que não sabem nada de nada e apesar disso têm tantas opiniões, histórias azuis, histórias sem cor, histórias cor de laranja e tantas outras histórias. Enfim, é como se eu me alimentasse de todas essas histórias, as engolisse, as vezes mastigando-as bem, outras não, depois, quando chega a hora, ou não, vomito-as. Não com a pretensão de apresentar uma história acabada, que sabe andar sozinha. Mas com a intenção de atirar pedaços que sabem provocar.
Quando a gente tem a pretensão de parir uma história inteira, com começo, meio, fim e um corpo completo, é preciso apresentá-las em partes, e, com ritmo. E quase sempre, esse ritmo não pode ser encontrando no simples ato de vomitar. Vomitar, muitas vezes é somente parte do processo de escrita. Uma parte importante do meu processo, confesso.
No caso do conto 'Maria uma breve história' mescla-se a descrição de fatos com a apresentação de circunstâncias e de mundividências. Contando a história de uma determinada personagem apresenta-se o que se pensa sobre o mundo, sobre um determinado mundo.
Escolhi chamar essa casa de escrevinhanças de vômito público por duas razões. Primeiro, por causa do conteúdo que me interessa. Quero falar de urgências, de injustiças, dos marginalizados, dos oprimidos. Quero usar a escrita e a arte para pensar e fazer pensar sobre muito daquilo que, apesar de ser urgente e vital, muitas vezes é esquecido, ignorado, jogado para escanteio. E para falar daqueles e daquelas que tantas vezes não têm lugar é preciso alterar a voz, criar espaço. O vômito acha o seu espaço no mundo, a força, derrama-se sobre o mundo, melequento e mal cheiroso.
Além disso, a minha pretensão nesse blog não é divivir textos lapidados. Lógico que o que divido aqui são textos trabalhados, pensados, mas, não são textos sobre os quais me debruço dias e dias revisando, reescrevendo, rearranjando. Essa é uma casa para deixar as minhas obsessões falarem, para deixar que elas conversem com o mundo. É como se aqui eu vomitasse um pouco de tudo aquilo que me enche. Encho-me de histórias, histórias que caem encima de mim quando caminho pelas ruas de um país estranho, histórias que me alcançam quando leio um livro, histórias que riem na minha cara quando assisto a um filme, histórias que as vezes se dão a mim e que outras vezes eu roubo, histórias do passado, histórias de agora, histórias que me pertencem, histórias as quais eu pertenço, histórias sem dono, histórias de gente feia, histórias de gente bonita, histórias que sabem tudo do mundo, histórias que só sabem falar com as crianças, histórias que não sabem nada de nada e apesar disso têm tantas opiniões, histórias azuis, histórias sem cor, histórias cor de laranja e tantas outras histórias. Enfim, é como se eu me alimentasse de todas essas histórias, as engolisse, as vezes mastigando-as bem, outras não, depois, quando chega a hora, ou não, vomito-as. Não com a pretensão de apresentar uma história acabada, que sabe andar sozinha. Mas com a intenção de atirar pedaços que sabem provocar.
Quando a gente tem a pretensão de parir uma história inteira, com começo, meio, fim e um corpo completo, é preciso apresentá-las em partes, e, com ritmo. E quase sempre, esse ritmo não pode ser encontrando no simples ato de vomitar. Vomitar, muitas vezes é somente parte do processo de escrita. Uma parte importante do meu processo, confesso.
No caso do conto 'Maria uma breve história' mescla-se a descrição de fatos com a apresentação de circunstâncias e de mundividências. Contando a história de uma determinada personagem apresenta-se o que se pensa sobre o mundo, sobre um determinado mundo.
Maria é uma puta velha. Logo no
início a autora brinca com os lugares comuns: “uma puta triste, ou
uma triste puta”, dependendo do lugar de quem vê. Não vai longe
demais. Mas, diz tudo o que é preciso saber. Centra-se em uma das
relações de Maria, e, a partir da descrição dessa relação e da
outra metade da mesma, um homem chamado José, a história dá conta de falar do mundo todo. Um mundo atravessado pela falta. A falta de amor. A falta do
material. A falta de confiança em si mesma. A falta de esperança,
e, por fim, a falta de sentido.
A breve história de Maria é também
a história da vida de José que, ao saber da morte de Maria sente a
impossibilidade de sentir. Saudades não existem. A falta de sentido
completo. E ele volta para casa para matar a esposa que ocupava-se de
um ovo. A esposa que teve os filhos que ele sabia não serem seus, o
que nunca antes havia dito. Na hora da morte a esposa foi a puta, aos olhos de José.
Depois ele pensou num jeito poético de acabar consigo mesmo. Agarrou-se a uma poesia de quem sobe a montanha para se separar do mundo, que já não sabe fazer sentido.
Num primeiro momento tive a impressão
de que o fim de José era absurdo, mas, logo lembrei das páginas
policiais dos jornais que invadem os nossos dias. Sempre a falar de histórias
que poderiam ser a de José, mas, sempre contadas com cores tão
outras. Não se fala de quem foi José ou João ou Maria. Mas, do
sangue que estava espalhado pela casa, do formato do crânio destruído,
de quantos pedaços foram encontrados pelo chão, pelas paredes. Se a carne humana
fosse explicitamente vendida em açougues, tais descrições de crimes
seriam material de publicidade do produto a ser comprado, embrulhado pelo açougueiro, metido na panela em casa, para fritar, cozinhar ou assar, para depois ir parar no bucho de alguém que ia meter aquilo goela adentro, provavelmente em frente à televisão, esquecido de si mesmo e de todas as injustiças e dores do mundo. Um mundo sem sentido, como o da breve história de Maria.
um abraço e inté a próxima,
Comments
Post a Comment